Delfim diz que a presidente é honesta, mas ‘tem uma visão do Brasil que não coincide com o País’,
classifica a proposta de Orçamento como ‘barbeiragem’ e o pacote fiscal
como ‘fraude”Eliana Cantanhêde, Estadão*—-
O ex-ministro, ex-deputado e afiadíssimo economista Delfim Netto, 87
anos, 24 deles no Congresso, como deputado, desfia uma série de adjetivos
demolidores contra o pacote fiscal do governo e é implacável com a
presidente Dilma Rousseff: “Ela é simplesmente uma trapalhona”. Em
entrevista ao Estado, Delfim classificou o envio de um Orçamento com
déficit ao Congresso como “a maior barbeiragem política e econômica da
história recente do Brasil” e disse que o pacote é “uma fraude, um truque,
uma decepção, não tem corte nenhum, é uma cobra que mordeu o rabo”.
Quanto ao coração do plano: “A CPMF é um imposto cumulativo, regressivo,
inflacionário, tem efeito negativo sobre o crescimento e quem paga é o
pobre”. A seguir, os principais trechos da entrevista.
*Como o sr. vê a situação hoje?*
Com muita preocupação. As pessoas sabem que a presidente é uma mulher com
espírito muito forte, com vontades muito duras, e ela nunca explicou porque
ela deu aquela conversão na estrada de Damasco. Ela deveria ter ido à
televisão, já no primeiro momento, e dizer: “Errei. Achei que o modelo que
nós tínhamos ia dar certo e não deu”. Mas, não. Ela mudou sem avisar e sem
explicar nada para ninguém. Como confiar?
*Como define a conversão na estrada de Damasco?*
Ela mudou um programa econômico extremamente defeituoso, que foi usado para
se reeleger. Em 2011, a Dilma fez um ajuste importante, aprovou a
previdência do funcionalismo público, o PIB cresceu praticamente no nível
do Lula. Mas o vento que era de cauda e que ajudou muito o Lula tinha
mudado e virado um vento de frente.
*Os ventos internacionais?*
Sim. Então, ela foi confrontada em 2012 com essa mudança e com a
expectativa de que a inflação ia aumentar e o crescimento ia diminuir e ela
alterou tudo. Passou para uma política voluntarista, intervencionista, foi
pondo a mão numa coisa, noutra, noutra, noutra… Aquilo tudo foi minando a
confiança do mundo empresarial e, de 2012 a 2014, o crescimento vai
diminuindo, murchando.
*E o uso na reeleição?*
A tragédia, na verdade, foi 2014, porque ela usou um axioma da política,
que diz que ‘o primeiro dever do poder é continuar poder’. No momento em
que ela assumiu isso, ela passou a insistir nos seus equívocos. Aliás,
contra o seu ministro da Fazenda, o Guido Mantega, que tinha preparado a
mudança, tanto que as primeiras medidas anunciadas pelo Joaquim Levy já
estavam prontas, tinham sido feitas pelo Guido.
*Então, o sr. discorda da versão corrente de que a culpa foi do Mantega?*
O Guido não tem culpa nenhuma. E, para falar a verdade, nenhum ministro da
Fazenda da Dilma tem culpa nenhuma, porque o ministro da Fazenda é a Dilma,
é ela. E o custo da eleição é o grande desequilíbrio de 2014.
*Qual o papel do Levy?*
Como a credibilidade do governo é muito baixa, o ajuste que ele fez
encontrou muitas dificuldades, não teve sucesso porque não foi possível
dizer que o ajuste era simplesmente uma ponte.
*A presidente não vive dizendo que é só uma travessia?*
Travessia sem ponte?
*E o pacote fiscal?*
O primeiro equívoco mortal foi encaminhar para o Congresso uma proposta de
Orçamento com déficit. Foi a maior barbeiragem política e econômica da
história recente do Brasil. A interpretação do mercado foi a seguinte: o
governo jogou a toalha, abriu mão de sua responsabilidade, é impotente,
então, seja o que Deus quiser, o Congresso que se vire aí.
*A briga interna do governo não é um complicador?*
A briga interna ocorre em qualquer governo, mas o presidente tem de ter uma
coisa muito clara: ele opta por um e manda o outro embora. Um governo não
pode ter dentro de si essas contradições, senão vira um Frankenstein.
*Quem tem de sair, o Levy, o Nelson Barbosa ou o Aloizio Mercadante?*
Quem tem de sair é problema da Dilma, mas quem assessorou isso do Orçamento
com déficit levou o governo a uma decisão extremamente perigosa e
desmoralizadora e isso produziu um efeito devastador.
*De tudo o que o sr. diz, concluise que o ponto central da crise é que
Dilma é uma presidente fraca?*
Ela tem uma visão do Brasil que não coincide com o Brasil.
*Por que o sr. defendia o aumento da Cide, não a recriação da CPMF?*
O aumento da Cide seria infinitamente melhor. CPMF é um imposto cumulativo,
regressivo, inflacionário, tem efeito negativo sobre o crescimento e quem
paga é o pobre mesmo. Ele está sendo usado porque o programa do governo é
uma fraude, um truque, uma decepção – não tem corte nenhum, só substituição
de uma despesa por outra e o que parece corte é verba cortada do outro.
Dizem que vão usar a verba do sistema S. Ora, meu Deus do céu! R$ 1 do
sistema S produz infinitamente mais do que R$ 1 na mão do governo.Alguém
duvida de que o governo é ineficiente?
*A presidente Dilma…*
Acho que não, nem ela. Ela sabe disso, só não tira proveito.
*E a Cide?*
A CPMF é coisa do século 19, a Cide é do século 21, porque você corta
consumo de combustível fóssil, reduz emissão de CO2 e vai salvar um setor
que você destruiu, o sucroalcooleiro. Tem 80 empresas quebrando por conta
dos erros da política econômica. Na hora que você fizer isso, toda essa
indústria renasce.
*Quais as chances de o pacote passar?*
Eles vão ter de negociar com a CUT e com o PT, que é o verdadeiro sindicato
do funcionalismo público. Então, é quase inconcebível e vai ter uma greve
geral que vai reduzir ainda mais a receita. É uma cobra que mordeu o rabo.
O aumento de imposto é 55% do programa; o corte, se você acreditar que há
corte, é de 19%; e a substituição interna representa 26%. Ou seja, para
cada real que o governo finge que vai economizar com salários, ele quer
receber R$ 3 com as transferências e o aumento de imposto. No fundo, o
esforço é nulo.
*O sr. diz que os grandes problemas começam em 2014, mas muitos analistas
respeitados dizem que começam antes. Qual a responsabilidade do governo
Lula?*
Até 2011, o vento de cauda era de tal ordem, a entrada da China foi de tal
ordem, que dava a sensação de que você tinha entrado no paraíso e o Lula
aproveitou bem para um crescimento mais inclusivo, mais equânime. Depois,
eu estou convencido de que foi a intervenção extravagante, extraordinária,
exagerada no sistema econômico que gerou tudo isso. Mexeu na eletricidade,
mexeu nos portos, foi criando um estado de confusão que matou o “espírito
animal” dos empresários, com uma queda dramática do nível de investimento e
do nível de crescimento.
*A diferença é que o Lula nunca fez questão de ser de esquerda, mas a
Dilma, que vem do velho PDT brizolista, nacionalista e estatizante, tem
esse compromisso?*
O Lula é um pragmático, uma inteligência extraordinária. Já a Dilma tem,
sim, o velho problema do engenheiro, o engenheiro Brizola, que por onde
passou destruiu tudo, destruiu de tal jeito o Rio Grande do Sul que ninguém
mais salva. Ela tem uma ideia intervencionista, realmente não acredita no
sistema de preços. Veja essa escolha dela no présal, é inteiramente
arbitrária. Foi dar para a Petrobrás uma tarefa muito acima do que ela é
capaz. Nada mais infantil no Brasil do que a sua esquerda, facilmente
manobrável.
*Quem é a esquerda no Brasil hoje?*
No Brasil de hoje, esquerda e direita são sinais de trânsito. O fato é que
a Dilma é uma intervencionista e foi a crença de que ela não mudou, e de
que a escolha do Joaquim foi simplesmente um expediente para superar uma
dificuldade, que não deu credibilidade ao plano de ajuste.
*Além de perder credibilidade junto aos empresários, a presidente também
está perdendo apoios na base social do PT.*
Como ela não explicou que errou e por que iria mudar a política econômica,
o 1/3 que votou nela se sentiu traído de verdade e o 1/3 que votou contra
ela disse: ‘Viu? Eu não disse?”. Sobraram para ela só 8%.
*Em quem o sr. votou?*
Na Dilma. Mas acho que o Aécio era perfeitamente “servível”. Teria as
mesmas dificuldades que a Dilma enfrenta, porque consertar esse negócio que
está aí não é uma coisa simples para ninguém, mas ele entraria com uma
outra concepção de mundo, faria um ajuste com muito menos custo e a
recuperação do crescimento teria sido muito mais rápida.
*Se a presidente está com 8% de popularidade, pior até que o Collor, o
impeachment seria uma solução?*
Se houver algum desvio de conduta materialmente provado, o impeachment é um
recurso natural dentro da Constituição. Então, não há nenhuma quebra de
institucionalidade, não tem nenhum problema. Agora, o Brasil não é nenhuma
pastelaria e não é nenhuma passeata cívica de verde e amarelo nem panelaço
que decide se vai ter ou não impeachment. Não há recall de presidentes. A
sociedade votou, que pague os seus erros para aprender e volte em 2018.
Está em segunda época, volte em 2018 para fazer nova prova.
*Então, o sr. não votaria na Dilma novamente em 2018, se ela pudesse ser
candidata?*
Não, primeiro porque ela não pode ser candidata. É preciso dizer que eu
acho a Dilma absolutamente honesta, com absoluta honestidade de propósito,
e que ela é simplesmente uma trapalhona.
*Numa eventualidade, o vice Temer seria adequado para a Presidência como
foi o Itamar Franco?*
Acho que sim. Nós somos muito amigos. O Temer tem qualidades, é uma pessoa
extraordinária, um gentleman e um sujeito ponderado, tem tudo, mas eu
refugo essa hipótese enquanto não houver provas, e vou te dizer: ele também.
*Leia mais:**(foto Hélvio Romero/Estadão)*
http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,a-dilma-e-simplesmente-uma-trapalhona,1765391