A Assembleia Legislativa do Paraná quer combater a aplicação irregular e a deriva de agrotóxicos no Estado. Para isso, um grupo de parlamentares tem trabalhado em projetos de lei para regulamentar uma série de pontos em relação ao tema. O assunto foi discutido nesta segunda-feira (22) durante a audiência pública “Deriva dos Agrotóxicos no Estado do Paraná”, proposta pela Frente Parlamentar da Agroecologia e Economia Solidária, coordenada pelo deputado Professor Lemos (PT). O encontro reuniu parlamentares, agricultores, especialistas e representantes de órgãos reguladores de todo o Estado.
O grande problema apontado pelos participantes é a deriva de agrotóxicos, o desvio das gotas da substância durante a aplicação. Pela força do vento, as partículas se espalham para locais além do alvo. As culturas consideradas mais sensíveis são a sericultura, fruticultura (em especial a produção de uva); cultivos orgânicos e apicultura. Segundo os agricultores, a deriva e a aplicação irregular de agrotóxico estão matando abelhas, bichos da seda e prejudicando a produção de alimentos no Paraná.
É o que diz o agricultor no município de Teixeira Soares, Renato Kovalski Ribeiro, da Articulação Paranaense da Agroecologia (Apra). Ele comentou que a agricultura familiar produz 75% dos alimentos no Brasil e precisa de políticas públicas de estímulo. Caso contrário, disse ele, a produção de alimentos pode ser afetada. “Não podemos pensar na agricultura familiar somente como produtores. Ela é detentora de um conhecimento e de uma cultura. Por isso precisamos de apoio público para produzir. O estado só vê a produção com agrotóxico. O orgânico é visto apenas como nicho. Sem pesquisa, vai ficar inviável para nós. Precisamos apoiar logo essas políticas. Logo, não teremos mais quem produz comida”, afirmou.
O Paraná é o segundo maior produtor de mel no Brasil. Já a sericicultura envolve cerca de 170 municípios, segundo o Departamento de Economia Rural (Deral), e é destaque nacional na produção de fios de seda de alta qualidade. O Estado se destaca ainda na produção de alimentos orgânicos. Ao mesmo tempo, é um dos três estados que mais consome agrotóxicos no Brasil. Em 2019, foram 95.286 toneladas. Além disso, conta com 12 indústrias de agrotóxicos. Por fim, o Paraná é o estado com mais notificações de intoxicações por esse tipo de substância do Brasil. Os números fazem parte do estudo Observatório do Uso de Agrotóxicos e Consequências para a Saúde Humana e Ambiental no Paraná, do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Para conter o avanço dos números, o deputado Professor Lemos reforçou a necessidade de se debater os projetos de lei sobre o tema. “Estas propostas que estão tramitando na Assembleia tratam da redução do uso de agrotóxicos e de regulamentar a deriva, que tem feito bastante estrago nas lavouras. Por isso, nós vamos fazer uma força-tarefa para acelerar os projetos que tramitam nesta Casa. São propostas importantes que garantem a segurança para os agricultores que estão sendo afetados diretamente”, explicou.
Projetos de lei
Durante o encontro, o parlamentar listou uma série de matérias apresentadas por diversos parlamentares abordando o assunto. O projeto de lei 116/2021 trata da deriva e regulamenta a aplicação de agrotóxicos. O principal ponto do projeto é a proibição da aplicação de qualquer tipo de agrotóxico em uma série de estabelecimentos de área rural. A proposta proíbe a aplicação em uma distância mínima de 250 metros pela a aplicação terrestre por qualquer meio e de 500 metros por aplicação aérea. No mesmo sentido, o projeto de lei 683/2019 veda o uso e aplicação de agrotóxicos próximos a locais como escolas, áreas rurais e unidades de atendimento à saúde.
Já o projeto de lei 288/2022 pretende proibir a aplicação foliar (direto na planta) do princípio ativo fipronil no Estado do Paraná. O fipronil é apontado por pesquisadores como uma das principais causas da mortandade de abelhas e da redução de outros agentes polinizadores. O estado de Santa Catarina, depois de uma discussão que levou dois anos, proibiu esse tipo de aplicação do produto.
O projeto 429/2022 propõe que o Governo do Estado institua a Política Estadual de Redução de Agrotóxicos (PERA) e crie a Comissão Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica (CEAPO). Já o projeto 438/2019 propõe Curitiba e Região Metropolitana livres de agrotóxicos, prevendo que o comércio, o consumo e o armazenamento de agrotóxicos serão restringidos gradualmente em 50% até 2025 e em 100% até 2030. O objetivo da proposta é melhorar a saúde e a qualidade de vida da população, preservar os recursos hídricos e favorecer a produção orgânica e sustentável.
Outro projeto de lei destacado é o 823/2017, que trata da Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica. O objetivo é articular e implementar programas e ações que estimulem a produção já existente no Estado, “colaborando com o desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida da população”.
Participantes
O diretor de Defesa Agropecuária da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar), Manoel Luiz de Azevedo, lembrou que todas as cadeias produtivas são importantes para o Paraná. “O Estado possui 305 mil propriedades rurais. Destas, 85% são pequenas. Todas fazem o controle de pragas. Temos de reduzir os impactos do agrotóxico nas culturas”, disse. Ele listou uma série de pontos necessários para isso. “O trabalho de educação sanitária preventiva é de suma importante para minimizar o problema, assim como o manejo de pragas, as condições dos pulverizadores utilizados e a época e a distância de aplicação. Essas questões precisam ser observadas. Temos trabalhado incansavelmente quanto a isso”, comentou.
O professor do Departamento de Fitotecnia e Fitossanidade da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Afonso Takao Murata, é taxativo: para resolver o problema, é preciso estudar meio de não usar agrotóxicos. “Necessitamos de políticas e recursos públicos. Já sabemos que somos um dos maiores consumidores de agrotóxicos. Já sabemos que temos o maior número de aeronaves para pulverização. Agora temos de pensar em como remediar. Temos algumas tecnologias em relação a isso, até com exemplos na área do agronegócio. Aa contaminações de nossa água é outro problema. Uma em quatro cidades no Brasil apresenta 27 tipos de agrotóxicos em suas águas. Estamos envenenando nosso futuro. A grande pergunta é: sem agrotóxicos conseguiríamos produzir alimentos? A resposta é sim. Para isso, precisamos de investimento em pesquisa e tecnologias limpas”.
O superintendente Estadual do Ministério da Saúde no Paraná, Luiz Armando Erthal, explicou que o órgão acompanha a causa de perto. “Temos inúmeros estudos sobre o tema, que tem nos dados demonstrações que o crescimento do uso de agrotóxicos aumenta algumas doenças, como a incidência de câncer. Esse tema preocupa as ações do SUS. O Ministério tem que feito algumas ações importantes, como estudos para entender a presença de venenos nos alimentos. Temos observado um aumento em relação a isso”, revelou.
Propostas
O deputado Anibelli Neto (MDB) reforçou a necessidade de aprovação dos projetos de lei. “Este é um tema que tem afetado a saúde humana. Esta audiência é importante para que os líderes regionais possam trazer suas críticas e sugestões para que possamos fazer avançar alguns desses projetos de lei. Somos sensíveis a esta luta”, disse.
A deputada Luciana Rafagnin (PT) tem visão semelhante. “É importante lembrar que o Paraná é um dos estados que mais consomem agrotóxicos. Esta é uma discussão em relação ao futuro e qual a nossa preocupação. Vimos uma série de projetos apresentados nesse sentido, tanto proibindo agrotóxicos quanto estimulando a produção agroecológica. É um direito das pessoas terem uma vida mais saudáveis, por isso é preciso pautar, aprovar e sancionar estes projeto”, complementou.
O deputado Luiz Claudio Romanelli (PSD) considerou o assunto da mais alta relevância. “É um tema fundamental que envolver saúde pública. Temos de identificar se a legislação é suficiente para coibir a prática da deriva que tem causado tantos prejuízos. Sabemos que não, pois vemos uma série de ilegalidades sendo cometidas”, avaliou.
Já o deputado Goura (PDT) frisou a necessidade de apoio para a agricultura familiar. “Se queremos um estado que fortalece a agroecologia, temos de dar um subsídio. Precisamos do apoio do estado. Se somos o maior produtor de orgânicos do País, isso se deve ao heroísmo dos pequenos produtores”, encerrou.
Presenças
Também participaram do encontro Mariângela Lurdes de Borba, técnica da Secretaria de Agricultura do município de Mato Rico; Ednaldo Michelon, professor de Agronomia na Universidade Estadual de Maringá (UEM); Diniz Dias de Oliveira, do Instituto de Desenvolvimento Rural (IDR); Ronaldo Takayuki Komegae, o produtor rural e gerente de compras das cooperativas Comafrut e Anfrut; Camila de Lava, engenheira agrônoma e participante do Programa de Desenvolvimento Paraná Mais Orgânico da UEM; Danielle Regina Thomáz, bióloga e também participante do Programa de Desenvolvimento Paraná Mais Orgânico da UEM; e Renato Rezende Blood, gerente de Sanidade Vegetal da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar).
Estiveram presentes ainda Clayton Correa de Almeida, engenheiro agrônomo do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Crea-PR); João Miguel Francisco Ruas, do Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag); Leila Klenk, do escritório do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar no Paraná; e Josiane Elias, agricultora e zootecnista da Agricultura Familiar do município De Congoinhas; Elisangeles Baptist de Souza, assessora técnica e engenheira agrônoma da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (FAEP); e Adilson Korchak, assessor jurídico da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores Familiares do Estado do Paraná (Fetaep).