Coordenador da força-tarefa que investiga a Operação Lava Jato, o procurador Deltan Dallagnol defende o endurecimento da pena para este tipo de crime
Rubens Chueire Jr., Folha de Londrina
Entre as dez medidas que compõem o pacote anticorrupção apresentado pelo Ministério Público Federal no final do mês passado em Brasília, a que prevê um endurecimento da pena para este tipo de crime é uma das mais defendidas pelo órgão. Para o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa baseada em Curitiba e que conduz as investigações da Operação Lava Jato, a punição atual para o crime de corrupção no País não é condizente com a gravidade deste ato ilícito.
A medida do MPF propõe a criminalização do enriquecimento ilícito e a elevação da pena para o crime de corrupção. Atualmente, a pena para esse tipo de crime raramente passa de quatro anos e pode ser substituída por pena de restrição de direito, com cumprimento fora da penitenciária. Pela proposta, a pena mínima para prática de corrupção passaria a ser de quatro anos de prisão e seria escalonada, aumentando conforme o valor envolvido na prática ilícita. Quando o crime envolver valores de até R$ 8 milhões, por exemplo, a pena poderia variar de 12 a 25 anos, o que corresponde às previstas nos crimes hediondos.
“Com isso, o corrupto começaria a cumprir pena, no mínimo, no regime semiaberto. Não temos dúvida de que é hediondo deixar o Brasil sem saúde, sem educação, sem saneamento básico, sem segurança. O papa Francisco no mês passado falou uma frase que me tocou. Foi o seguinte: ‘Que a corrupção tem um cheiro pútrido, ela é suja’. Eu complementaria que esse cheiro da corrupção é um cheiro de morte e essa sujeira é o sangue nas mãos dos corruptos porque através do que eles fazem estão, silenciosamente, matando”, ressalta o procurador, que participou da elaboração das propostas do pacote anticorrupção.
Os procuradores elaboraram medidas em dez frentes divididas em três grupos temáticos: transparência e prevenção, efetividade e celeridade e eficiência. Entre outras propostas está a responsabilização dos partidos políticos. O MPF também sugere a melhoria das regras de transparência e mecanismos para previsão das formas de se recuperar o lucro derivado do crime de corrupção.
“Quando nós falamos em corrupção de altos valores estamos falando de supressão de cofres públicos, de dinheiro que poderia ser direcionados para a educação, saúde, saneamento básico. Por isso que a gente sempre repete que a corrupção mata. Nós temos desvios de recursos públicos no Brasil que remontam a R$ 200 bilhões e estes valores poderiam triplicar o orçamento federal da educação e saúde”, afirma Dallagnol.
O pacote de medidas prevê ainda a criação do teste de integridade para agentes públicos, de modo que sejam adotados testes preventivos de atos de corrupção no comportamento dos servidores públicos, principalmente nas polícias. A prática é aplicada em diversos países desenvolvidos e é recomendada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela ONG Transparência Internacional.
Impacto econômico
Questionado sobre os efeitos econômicos causados pela Operação Lava Jato que, segundo especialistas, podem retirar R$ 87 bilhões no valor de produção da economia neste ano, além de provocar perda de mais de um milhão de vagas de trabalho por conta do envolvimento das maiores empreiteiras do País, o procurador lembra que o combate à corrupção gera impactos.
“Não existe um passe de mágica para acabar com a corrupção, não há como você não mudar o seu comportamento em relação ao fenômeno e esperar que num estalar de dedos ela desapareça. A corrupção é como um câncer e quando o paciente tem este problema e precisa extrair este tumor, ele vai ter que passar pela cirurgia. A mesma coisa acontece na Lava Jato em relação a economia. Se nós extrairmos este câncer, adotarmos medidas, isto pode ser um pouco nocivo para a economia, mas se não fizermos isso, as consequências serão severas lá na frente”, explica.
Dallagnol reforça que a corrupção afeta diretamente a economia, os serviços e custos de obras em quantidade e em qualidade. Segundo ele, a prática ilícita gera um custo adicional de 2% a 15% a mais nos produtos, serviços e atividades no País. E em qualidade porque o agente público passa a guiar sua conduta não pelo interesse público e não por aquele produto ou por aquele conserto de estrada que é melhor, mas por aquele que vai gerar propina para ele, ainda que a estrada volte a estar esburacada 15 dias depois.
“O cidadão sempre perde. Isso nos toca diretamente. Se a estrada fica esburacada você pode perder sua esposa e filho num acidente de trânsito, por exemplo. A corrupção não é uma coisa abstrata, que está lá longe. Nós vamos senti-la na pele. Uma hora é seu vizinho outra vez é um terceiro, mas uma hora é você. Ou a gente atua de modo incisivo, concreto e firme com a corrupção ou vamos conviver com estas consequências negativas”.