O senador Delcício Amaral (ex-PT/MS) afirmou à Procuradoria-Geral da
República que o ex-ministro Paulo Bernardo (Planejamento, Orçamento e
Gestão do governo Lula, depois Comunicações de Dilma) atuava como
‘operador’ da mulher, a senadora Gleisi Hoffmann (PT/PR), voz quase
solitária contra o impeachment da presidente. As informações são de Gustavo
Aguiar, Fausto Macedo, Julia Affonso e Mateus Coutinho no Estadão.
Em depoimento no âmbito de sua delação premiada, no dia 11 de abril, o
ex-líder do Governo no Senado disse que Paulo Bernardo ‘sempre foi, desde a
época que passou pelo Mato Crosso do Sul e até mesmo antes, considerado um
‘operador’ de Gleisi Hoffmann’. Segundo ele, ‘Paulo Bernardo sempre foi
visto como um operador de muita competência’.
Questionado sobre o que quer dizer com a expressão ‘operador’, Delcídio
respondeu. “Ele (Bernardo) tinha uma capacidade forte de alavancar recursos
para a campanha (de Gleisi)’.
“Que diz isto porque acredita que em 2010 Paulo Bernardo já captava
recursos para Gleisi Hoffmann; que não há incompatibilidade entre Paulo
Bernardo ser ministro do Planejamento à época (2010) e ser operador de
Gleisi; que, ao contrário, por ser Paulo Bernardo ministro, ele tinha
bastante força para captação de recursos, até porque uma das
responsabilidades dele, como ministro do Planejamento, era gestionar o
orçamento da União e, como tal, tinha muita força.”
Esses trechos da delação de Delcício foram transcritos na longa denúncia –
47 páginas – que o procurador-geral da República Rodrigo Janot apresentou
ao Supremo Tribunal Federal contra Gleisi e Paulo Bernardo por corrupção
passiva e lavagem de dinheiro.
Ao final da denúncia, Janot pede ao STF que cobre do casal R$ 2 milhões a
título de indenização pelo dano ao Tesouro. A Procuradoria e a Polícia
Federal afirmam que a senadora foi beneficiária de repasse de R$ 1 milhão
do esquema de propinas instalado na Petrobrás que a Operação Lava Jato
desmontou. O dinheiro chegou à campanha da petista em quatro parcelas de R$
250 mil cada, sustenta a Procuradoria.
“Os denunciados tinham plena ciência do esquema criminoso e da origem das
quantias ilícitas, tendo atuado concertadamente, em divisão de tarefas”,
descreve Janot.
Além do ex-ministro de Lula e Dilma e de Gleisi foi denunciado o empresário
Ernesto Kugler Rodrigues, de Curitiba.
O ponto de partida da investigação foi a delação de outro personagem
emblemático da Lava Jato, o ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa
(Abastecimento). Ele revelou a entrega daquele valor a pedido de Paulo
Bernardo.
Na agenda de Paulo Roberto, apreendida pela PF, foram identificadas
anotações que, segundo o ex-diretor da estatal petrolífera, são a pista da
propina de R$ 1 milhão. Ao lado das iniciais PB – que, segundo o delator,
significam Paulo Bernardo – aparece o número 1,0, referência àquela soma.
“Paulo Bernardo encarregou-se de transmitir a solicitação da vantagem
indevida a Paulo Roberto Costa, no início de 2010, em local não
precisamente identificado, e de comandar o seu recebimento, enquanto
Ernesto Kugler Rodrigues encarregou-se de receber materialmente a propina,
ao longo de 2010, em Curitiba, a qual se destinava a custear a campanha
eleitoral de Gleisi Helena Hoffmann, em favor de quem ambos atuavam”,
descreve o procurador-geral.
Janot reforça o papel de Paulo Bernardo. “À época, era ministro do
Planejamento, Orçamento e Gestão, função ocupada desde o início de 2005,
figurando como forte quadro do PT, com três mandatos de deputado federal,
agremiação partidária que comandava o Governo Federal e que tinha
perspectivas concretas de continuar a fazê-lo, com a eleição presidencial.
Tanto é assim que Paulo Bernardo, ao deixar o Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão, passou a ocupar o Ministério das Comunicações, do
início de 2011 até o início de 2015 – ambas funções com poder de influência
no círculo decisório do Governo Federal.”
Depois, o procurador aponta para a senadora. “O mesmo se diga de Gleisi
Hoffmann, esposa de Paulo Bernardo. Em 2010, Gleisi já sobressaía como
figura expoente do PT, tendo-se lançado como forte candidata ao Senado.
Tanto é assim que Gleisi foi de fato eleita senadora e, em meados de 2011,
foi nomeada ministra-chefe da Casa Civil, função na qual permaneceu até
2014, o que ilustra o seu potencial à época, para além da eleição para o
cargo de senadora, de ocupar funções com poder de influência no círculo
decisório do Governo Federal.”
Janot considera que Paulo Roberto, então um dos mais importantes dirigentes
da Petrobrás, cedeu ao pedido de Paulo Bernardo porque precisava de ‘apoio
político’, inclusive do PT, para se manter na estatal. “Paulo Roberto anuiu
com o pagamento da vantagem indevida solicitada por Paulo Bernardo em favor
de Gleisi, dada a importância do PT e de ambos para a sua manutenção no
cargo de diretor de Abastecimento da Petrobrás, levando em conta o
respectivo exercício de funções de relevo no Governo Federal, inclusive em
perspectiva para o mandato presidencial que se iniciaria no ano seguinte.”
Segundo a denúncia, o pagamento do R$ 1 milhão foi ‘operacionalizado’ pelo
doleiro Alberto Youssef, ooutro delator da Lava Jato e então parceiro de
Paulo Roberto Costa. “O pagamento da vantagem indevida, por ordem de Paulo
Roberto, foi operacionalizado por Alberto Youssef, que era o responsável,
na estrutura da organização criminosa subjacente, por receber as propinas
das empresas que contratavam na área da Diretoria de Abastecimento da
Petrobrás e por repassá-las a agentes políticos, tudo mediante estratégias
de lavagem de dinheiro.”
Youssef encarregou o advogado Antonio Carlos Brasil Fioravante Pieruccini
de ‘dissimuladamente’ transportar a quantia destinada à senadora de São
Paulo para Curitiba e entregá-las a Ernesto Kugler Rodrigues, ‘terceiro que
não possuía vínculos formais com a campanha de Gleisi tendo sido realizadas
quatro entregas de R$ 250 mil cada, em espécie, em quatro locais
identificados, uma delas no dia 3 de setembro de 2010 e as demais em datas
não precisamente identificadas, mas perfeitamente situadas no período
compreendido entre o início de 2010 e as eleições daquele ano’.
“O montante, após recebido, foi utilizado na campanha de Gleisi, sem
contabilização ou qualquer registro”, acusa Janot. “Toda essa sistemática
de pagamento e fruiçãq dos valores foi concebida por todos os envolvidos
para ocultar e dissimular a natureza, origem, movimentação e propriedade
das quantias ilícitas, consubstanciadas em propina (corrupção passiva), a
qual foi disponibilizada por intermédio de organização criminosa.”
“Os denunciados tinham plena ciência do esquema criminoso e da origem das
quantias ilícitas, tendo atuado concertadamente, em divisão de tarefas.”
Janot observa que à Polícia Federal, Gleisi e Paulo Bernardo ‘foram
incisivos ao negar qualquer participação daquele (Paulo Bernardo) na
arrecadação de recursos para a campanha em 2010′.
“Todavia, o desempenho dessa função por Paulo Bernardo, como um verdadeiro
‘operador’ de sua esposa, inclusive valendo-se da importância do Ministério
então por ele ocupado, exatamente como dito por Paulo Roberto Costa e
Alberto Youssef, que o apontaram como solicitante da vantagem indevida em
favor da denunciada, além de ter vindo à tona em outra investigação, foi
corroborado por Delcídio Amaral e Ricardo Pessoa.”
Ricardo Pessoa, empreiteiro da UTC Engenharia, é outro delator do mundo da
Lava Jato. Ele declarou. “Que recebeu solicitação para contribuir
financeiramente com a campanha de Gleisi ao Senado, em 2010, por parte do
marido dela, Paulo Bernardo, então ministro de Estado; Que, salvo engano,
os valores foram encaminhados parte para a conta da campanha eleitoral dela
e parte para o Diretório Nacional do PT, tudo a pedido de Paulo Bernardo.”
Na semana passada, quando a denúncia do procurador-geral foi tornada
pública, a defesa de Gleisi divulgou nota subscrita pelos advogados Rodrigo
Mudrovitsch e Veronica Abdala Sterman.
“É com inconformismo que recebemos a notícia de que o PGR apresentou
denúncia em desfavor da senadora Gleisi Hoffmann. Todas as provas que
constam no inquérito comprovam que não houve solicitação, entrega ou
recebimento de nenhum valor por parte da Senadora. A denúncia sequer aponta
qualquer ato concreto cometido. Baseia-se apenas em especulações que não
são compatíveis com o que se espera de uma acusação penal.
São inúmeras as contradições nos depoimentos dos delatores que embasam a
denúncia, as quais tiram toda a credibilidade das supostas delações. Um
deles apresentou, nada mais, nada menos, do que seis versões diferentes
para esses fatos, o que comprova ainda mais que eles não existiram. Ao
apagar das luzes, depois de um ano e meio da abertura do inquérito, uma
terceira pessoa aparece disposta a dizer que teria realizado a suposta
entrega de valores, numa nova versão que foge de qualquer raciocínio
lógico. Vale lembrar que esta pessoa é amigo/sócio/ funcionário de Alberto
Youssef, o que comprova ainda mais a fragilidade das provas e se vale do
mesmo advogado de Alberto Youssef para fazer sua delação.”
Os advogados Rodrigo Mudrovitsch e Veronica Abdala Sterman também falaram
pelo ex-ministro Paulo Bernardo. “As referências ao ex-ministro Paulo
Bernardo na denúncia baseiam-se em declarações contraditórias e
inverossímeis. Não houve qualquer envolvimento dele com os fatos narrados
na denúncia. Demonstraremos isso com veemência e acreditamos que a denúncia
não pode ser recebida”.
(foto: André Dusek/Estadão)
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