Ex-presidente diz que petista vive uma ‘armadilha’ e que, hoje, Lula perderia as eleições- (Daniela Lima, Ricardo Balthazar/Folha de S. Paulo)
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acha que a presidente Dilma Rousseff tornou-se refém de seu ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o economista de perfil conservador que ela recrutou para dar uma guinada em sua política econômica e equilibrar as finanças do governo.”Ela não pode demitir. É refém dele”, disse FHC, em entrevista à Folha. “Poder até pode, mas o que acontece depois? Ela está presa, não tem muito por onde escapar.”
Para o ex-presidente, Dilma vive numa armadilha, forçada a promover um ajuste duro e sem força para convencer aliados no PT e no PMDB a aprovar medidas propostas de sua equipe econômica.”O problema é econômico, mas a solução é política”, disse o tucano. “Não estou vendo se formar uma coalizão que sustente a saída.” A seguir, os principais trechos da entrevista.
-Em 1999 o sr. viveu uma crise e o PT pediu seu impeachment. O que diferencia o “Fora FHC”do “Fora Dilma”?
O “Fora FHC” era partidário, limitado ao PT. Eu nunca perdi o Congresso. Não perdi a credibilidade nem a capacidade de ação política. Não é a mesma situação de hoje. Há um elemento de descrédito.
Mas qual é o principal vetor da insatisfação popular: a corrupção, o estelionato eleitoral, a economia?
É a somatória. O que dá sustentação é a economia– que está só começando–, mas é indiscutível que a corrupção pesou. O movimento foi de repulsa. Em 2013 [as jornadas de junho], os alvos eram dispersos. Agora tudo se concentrou simbolicamente no anti-Dilma. Não quer dizer que efetivamente queiram tirar a Dilma de lá. Até porque, pela corrupção, não é ela a responsável maior.
Como assim?
Ela herdou. Todo esse sistema que está aí não foi criado no governo dela. Ela tentou se livrar. Demitiu ministro, mexeu na Petrobras. Agora, o povo não percebeu assim. Simbolicamente centrou na Dilma. Ela está numa armadilha. Não sei se acham que ela é corrupta. As pesquisas dizem que acham que ela sabia e não fez nada. A imagem da Dilma que fez a a faxina sumiu.
Armadilha?
Ela não tem o que fazer. O que tinha, já fez: nomeou o Levy. E isso só aumentou a armadilha, porque agora ela não pode demitir. É refém dele. Poder até pode, mas o que acontece depois? Então, ela está presa, não tem por muito onde escapar.
O PMDB propôs corte de ministérios e tem criticado o ajuste. Ele roubou a agenda da oposição?
Se estiver fazendo isso, ele está mudando de lado. Se for isso, não acho mal não [risos].
O sr. definiu Joaquim Levy como ‘tecnocrata’. Ele não terá força para bancar o ajuste?
Ele não tem experiência política. Quando fiz o Plano Real, o que eu fazia? Eu falava. Minha função era política. Eu não era técnico, não sou economista sequer. Alguém tem que fazer isso. No caso, era eu, não o presidente, mas alguém tem que fazer.
Então falta condução política?
Os economistas, quanto mais tecnocratas, mais querem que a racionalidade impere. Não pode. A racionalidade econômica pura esmaga tudo. O problema é econômico, a solução é política. E não vejo uma coalizão.
O sr. esteve com Temer e há um alinhamento entre PMDB e PSDB na CPI da Petrobras…
Com o Temer tenho uma relação. Ele deu uma declaração interessante: a Câmara tem um momento que ela engravida e dá a luz. Ela engravidou da reforma política. E aí eu acho que tem que conversar PMDB, PSDB, PT… Para evitar o naufrágio do sistema e da classe política toda. Agora, não é isso que a rua está pedindo.
A reforma não é a resposta?
A rua está pedindo para passar a limpo. Não adianta responder como a Dilma tentou, dizendo que ‘nunca ninguém combateu tanto a corrupção como o nosso governo’ –e ainda botou o ‘nosso’, coitada. Ninguém acredita.
O sr. disse ‘coitada’. É pena?
Pena não é sentimento que se deva ter de políticos. Acho que ela está de mau jeito.
É solidariedade?
Solidariedade, não. Estou do outro lado. Acho, como ser humano, que ela deve estar padecendo.
Setores que defendem o impeachment dizem que o sr. poupa Dilma e reedita o que fez em 2005 por Lula…
Em 2005 havia possibilidade legal de pedir impeachment. Por que não teve? Porque a rua não estava nessa posição. O impeachment não é um ato simplesmente técnico. Cria um fosso, um mal-estar historicamente ruim. Agora, quem está processando a Dilma por algo que ela fez? Não tem.
Quer dizer que não venha a acontecer?
Não sei. Estamos numa situação de ponto de interrogação. Dependemos do calor da rua, do avanço do processo judicial e da mídia. Seria irresponsável nessa situação eu sair com uma bandeira fora de hora.
Mas o sr. acha que hoje um pedido de impeachment de Dilma teria o mesmo problema que viu no de Lula em 2005?
Não, é diferente. E vou dizer uma coisa arriscada: o Lula perde hoje. Hoje [se Dilma cai e fazem novas eleições], o Lula perde. Mas não penso eleitoralmente. Sou democrata. Não vou dizer: ‘Então vamos fazer o impeachment porque o Aécio [Neves] ganha, o Geraldo [Alckmin] ganha, ou eu ganho’. Não estou dizendo que nunca vai se chegar a tal ponto [do impeachment]. Não sei.
O sr. disse recentemente que é preciso “passar a limpo” a corrupção na Petrobras. Antonio Anastasia (PSDB-MG)está entre os investigados…
Pegar uma referência vaga sobre alguém e colocar num processo é irresponsabilidade. Mas minha opinião é clara: está lá, que investiguem. Mas, no caso do Anastasia, é uma coisa fragílima.
Acha que houve influência política na escolha dos nomes?
Tudo na vida é política. Não creio que o procurador-geral [Rodrigo Janot] faça um acordo, mas obviamente há influências de todos os lados, em todas as esferas. O próprio policial, um procurador que quer uma coisa, o outro que quer outra. Isso não é necessariamente ruim, é normal, desde que o processo continue e se consiga provar algo.
O sr. disse que não é “crível” que Lula e Dilma não soubessem. A mesma lógica vale para o cartel em São Paulo?
É muito diferente. Aqui não tem acusação de que dirigente político tivesse recebido dinheiro, de que o PSDB tivesse recebido. O STF arquivou porque não tinha nada. É importante mostrar a natureza do que estamos discutindo hoje. Não é corrupção usual. É uma forma organizada de manutenção do poder utilizando dinheiro público. Aumentaram os preços [das obras] para tirar a diferença e dar para os partidos. É uma coisa muito mais séria.
Depoimentos apontam que o cartel na Petrobras se organizou no final de sua gestão…
Não é isso. Eu li. As empresas dizem que se organizaram como associação, mas que só tornaram como prática mais tarde. Pode ter havido corrupção no meu governo? Houve muito homicídio no meu governo, sabia? Marido matou mulher, mulher matou marido. O que eu tenho a ver com isso? Não há nem acusação desse tipo de organização no meu governo.
Acha possível que a dinâmica da última eleição presidencial tenha influenciado o levante contra Dilma?
É possível. Houve uma coisa ruim que é a ideia do nós contra eles. Isso foi proposto pelo PT e pelo Lula. Criaram um antagonismo. Agora reclamam que tem ódio nas ruas. Mas eles que soltaram.
Dilma corta orçamento e
IBGE cancela censo 2016
Dentro do ajuste do governo Dilma Rousseff, o corte no orçamento federal já afeta as atividades que serão desenvolvidas pelo IBGE. A contagem da população brasileira prevista para o próximo ano foi cancelada “em razão de contenção orçamentária”, afirmou a direção em comunicado interno. A direção do IBGE, presidido por Wasmália Bivar, afirma que o Ministério do Planejamento avisou, na segunda-feira desta semana, que será “impossível realizar a contagem populacional em 2016”. Inicialmente prevista para ocorrer em 2015, a pesquisa já havia sido adiada para o próximo ano também por falta de recursos. As informações são do Estadão.
A última contagem foi realizada no Censo de 2010. Como não há nova previsão, é possível que o estudo só venha a ser feito no Censo de 2020. Os dados da contagem populacional são repassados pelo IBGE à União em razão de uma exigência da Lei 8.443, de 16 de julho de 1992. As informações são usadas como base para o cálculo do repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Sem a realização da pesquisa, o IBGE envia apenas as estimativas da população, que passam a servir de base para o cálculo da verba a ser recebida.
O corte no orçamento do valor destinado ao levantamento populacional já havia sido informado em setembro do ano passado, mas a direção do IBGE tentava, desde então, reverter a decisão do ministério ao qual está vinculado. Intitulado “Corte no Orçamento confirma impossibilidade de realização da Contagem da População em 2016”, o comunicado interno frisa que a decisão foi tomada “a despeito de a instituição estar preparada tecnicamente para a realização” da pesquisa.
O estudo, que envolve cerca de 80 mil recenseadores, tem custo estimado de R$ 1 bilhão. Para realizar a pesquisa em 2016, o IBGE precisava começar agora a planejar a aquisição de infraestrutura e a contratação de temporários. Além da contagem, outras pesquisas podem estar ameaçadas neste ano caso o governo não aprove a realização de concurso para reposição de servidores aposentados, afirmou Wasmália a chefes de unidades estaduais do IBGE em videoconferência realizada ontem à tarde, conforme o Estado apurou. A assessoria do instituto, porém, negou a declaração.
Foco
A direção informou no comunicado que o IBGE “agora concentrará seus esforços no planejamento do Censo Agropecuário 2016 e na redefinição do plano de trabalho da Base Territorial e do Cadastro de Endereços”. O Censo Agropecuário foi realizado pela última vez em 2007. Boletim interno de setembro já informava que os cortes no Orçamento da União de 2015 também impediriam a realização da pesquisa.
“A realização do Censo Agropecuário é de extrema relevância para o setor e para vários outros aspectos da vida nacional, que vão desde questões sociais importantes, como segurança alimentar e agricultura familiar, a questões macroeconômicas, como os preços dos alimentos e a balança comercial”, afirmou o documento.
“É fundamental que todos se mantenham mobilizados e estruturados em torno destas operações que vínhamos desenvolvendo”, acrescentou a direção do órgão. Procurada, a assessoria do Ministério do Planejamento não foi encontrada.