O ministro Gilmar Mendes, novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), vê ‘enormes chances de fraudes’ nas eleições municipais 2016. Para
ele, o pleito será um ‘verdadeiro salto no escuro’. As eleições de outubro
serão as primeiras sem o financiamento de pessoas jurídicas. Apenas pessoas
físicas poderão contribuir com políticos que, desta vez, busca. As
informações são de Fausto Macedo e Julia Affonso no Estadão.
“Longa será a caminhada e árdua será a peleja, é certo, a começar pelo
inusitado embaraço de equacionar complexas eleições municipais à luz da
abrupta alteração no padrão de financiamento das campanhas”, alerta o
ministro.
Gilmar Mendes, que também integra o Supremo Tribunal Federal (STF), tomou
posse na Corte eleitoral na quinta, 12, mesmo dia da posse do presidente em
exercício Michel Temer. Na solenidade, o ministro estava sentado entre o
presidente do STF, Ricardo Lewandowski, e de Temer.
Em seu pronunciamento, inicialmente ele apontou claramente para a gestão da
presidente Dilma Rousseff, afastada do Palácio do Planalto por 180 dias por
suspeita de crime de responsabilidade. “Entre perplexo e indignado, o
Brasil de hoje é um país tomado por sobressaltos. É como se, a cada manhã,
os brasileiros se pusessem a postos para esperar o escândalo da hora.
Vexames se sucedem em tal velocidade que até a já habitual demanda de
manchetes sensacionalistas resulta estrangulada. Olhando-se o
mal-engendrado conjunto formado por esse impressionante ciclo de
descalabros, de afrontas à nossa ordem constitucional, tão duramente
conquistada, e de ofensas à honra pessoal de cada cidadão, tem-se a viva
impressão de que nossa combalida República parece ter sido tomada de
assalto por empedernida trupe de insensatos.”
“As tramas bem-urdidas desse enorme emaranhado de falcatruas e de
ignomínias se esvanecem no ar, deixando, em seu rastro, sentimentos que vão
do desânimo à repulsa”, disse o ministro.
Depois, o ministro revelou suas preocupações com relação às eleições. “A
bem da verdade, trata-se de verdadeiro salto no escuro, já que tal mudança
se deu sem qualquer transição, passando-se diretamente do subsídio
empresarial à contribuição privada individual, e tudo sem nenhuma
modificação nos trâmites e padrões eleitorais.”
Gilmar destaca que ‘muito ao contrário, mantiveram-se as perspectivas
inerentes às campanhas de altíssimos custos demandadas por eleições com
listas abertas, nas quais cada candidato disputa com outro concorrente do
mesmo partido’.
“Nessas circunstâncias, é bastante plausível antever, sem o concurso de
maiores elucubrações, enormes chances de fraudes, à mercê de subterfúgios
tão deploráveis e ultrajantes quanto o uso de caixa dois, quase sempre
ligado, de uma forma ou de outra, a organizações criminosas cujo único
objetivo é o locupletamento próprio às custas de verbas públicas que
deveriam servir unicamente a financiar o bem comum.”
O ministro faz uma previsão pessimista. “A Justiça Eleitoral terá de
testar, neste, que será o maior dos sufrágios, modelo que, assentado em
bases frágeis e pouco realistas, não parece fadado ao sucesso.”
Mas afirma que ‘se muitos são os desafios, todavia imensa é a disposição de
enfrentá-los’.
“Para tanto, a Justiça Eleitoral encontra-se apta a vencer, um a um, todos
os entraves – a exemplo do despropósito que levou ao corte orçamentário de
um terço da verba destinada justamente à realização do evento de maior
afirmação democrática pátria.”
E mandou um recado direto aos políticos que planejam insistir ainda em
práticas rotineiras. “Este Tribunal não compactuará com qualquer tipo de
astúcia que conduza à mínima assimetria capaz de deslegitimar o processo
eleitoral, a exemplo dos abusos econômicos e políticos que tanto macularam
as últimas disputas, agora objeto de detida e rigorosa análise judicial.”
Aí voltou a apontar para o governo Dilma e para o do antecessor, Lula –
embora não tenha citado os nomes dos petistas. “Neste ponto, até que fique
definitivamente esclarecido e introjetado, vale repisar que o Estado
Democrático brasileiro há de ser sempre mais forte que o desatino dos
poucos que patrocinaram o desconcerto atual. O vigor e a consistência do
nosso aparato institucional, aliados ao trabalho competente e determinado,
potencializados pela vontade de mudança e pela crença dos brasileiros no
bem e na verdade haverão de sedimentar, com o resistente amálgama da
esperança, caminho para futuro mais honrado e promissor.”
Mirou, então, o modelo político-eleitoral e os mais de trinta partidos.
“Nada obstante, passa da hora de, escrutinando nossos erros, mirarmos
soluções efetivas, a começar pelo desenlace da abissal crise política que
engessa a Administração Pública. Tão assombrosa conflagração conjuntural
demonstra que o modelo político-eleitoral de há muito já se esgotou, não
sendo produtivo nem razoável que continuemos nos pautando por decisões
equivocadas que acabaram por conduzir à falência do sistema eleitoral.
Basta usar a lógica do senso comum para facilmente concluir que não há como
prosperar modelo que, admitindo mais de trinta agremiações partidárias,
mereceu, dos próprios partícipes, a desonrosa alcunha de ‘Presidencialismo
de Cooptação’.”
Adiante, ao defender a reforma política, denunciou as ‘coligações
ilegítimas’ e o que chamou de ‘sinistras negociatas’.
Não perdeu a oportunidade para, uma vez mais, fustigar a era PT no
Planalto, a quem atribui a multidão de cidadãos sem renda salarial.
“Somem-se ao disparate da criação em série de partidos – à feição dos
currais eleitorais que já tanto criticamos – as coligações ilegítimas,
vinculadas e dirigidas não por afinidades programáticas, mas por sinistras
negociatas. Esses conchavos, longe de assegurar apoio ou sobrevivência
política a qualquer dos atores, corroem a legitimidade da
representatividade popular, estimulam abertamente crimes como a corrupção
desenfreada – inclusive como modo de governança –, a falsidade ideológica,
a lavagem de dinheiro e a formação de quadrilha, entre outros tantos
delitos, ademais de satanizar desbragadamente a atividade política – dano
intergeracional mais grave e com mais consequências do que os equívocos
econômicos que levaram onze milhões de brasileiros à sofrida vala do
desemprego.”
(foto: STF)
*link matéria*