CONNUR : Para além da tramitação acelerada e com poucas discussões, o texto final do projeto de lei que altera a Lei de Falências, aprovado na Câmara dos Deputados na última terça-feira (26/3), foi bastante criticado por especialistas em Direito Empresarial.
A proposta inicial, do Executivo, já havia sido modificada por um substitutivo da relatora, deputada federal Dani Cunha (União-RJ). Este, por sua vez, foi alterado diversas vezes nas últimas semanas. O texto ainda será enviado ao Senado.
Desde que foi sugerido pelo governo federal ao Congresso, no começo deste ano, o PL votado nesta terça tem sido duramente criticado pelos especialistas brasileiros em insolvência. Agora, novas críticas são direcionadas aos impactos do texto final.
O projeto cria a figura do gestor fiduciário, responsável por vender os bens para pagar os credores e elaborar um plano de falência. Com isso, o administrador judicial somente atuará se a assembleia de credores não eleger um gestor.
Sem necessidade
Cybelle Guedes Campos, sócia do escritório Moraes Jr. Advogados, especializado em reestruturações empresariais, ressalta que a maior parte das falências não possui ativos suficientes para justificar a necessidade de um gestor fiduciário.
Por isso, ela defende que “essa disposição deveria se dar apenas para casos de falências efetivamente grandes”.
O texto aprovado impõe um limite de nomeações para o administrador judicial (tanto em processos de falência quanto de recuperação judicial), além de uma espécie de quarentena para atuação perante o mesmo juiz. Há também a fixação de um mandato de três anos para quem atuar nessa função.
Por fim, uma outra regra proíbe o administrador judicial da recuperação de atuar na falência — seja na mesma função, seja como gestor fiduciário.
Risco de colapso
Segundo Cybelle, para que fosse possível aplicar as regras de limite de tempo e proibição de atuação do mesmo administrador, seria necessário um número de administradores que hoje não existe no Brasil: “Se mantida essa regra, poderá colapsar todo sistema”.
Camila Crespi, advogada da banca Luchesi Advogados e especialista em reestruturação empresarial, concorda que há “possibilidade de colapsar todo o sistema de insolvência”.
De acordo com ela, a regra do mandato para o administrador judicial “restringe a atuação do profissional”. Isso pode gerar “um déficit de profissionais qualificados, que não aceitarão mais o encargo”.
Na visão do advogado Marcelo Barbosa Sacramone, ex-juiz de uma vara de falências de São Paulo, o PL “desincentivou os administradores judiciais a se profissionalizarem”.
Sacramone ainda indica que, embora o plano de falência possa acelerar a liquidação dos ativos, não há proteção aos credores minoritários da classe. “O credor poderá ter o seu melhor interesse não atendido se não for predominante dentro da classe.”
Impacto devastador
Outro item do projeto que causa preocupação é o que determina a aplicação das alterações aos processos já em andamento. Nesses casos, segundo o texto, quando passados mais de seis anos da decretação da falência sem encerramento do processo, o juiz deverá nomear um novo administrador judicial imediatamente.
Para o advogado Hoanes Koutoudjian, vice-presidente da Comissão de Recuperação Judicial e Falência da OAB-SP, “o impacto será devastador”. No estado de São Paulo, por exemplo, a grande maioria (ele estima algo entre 70% e 80%) dos administradores judiciais teria de ser substituída, pois os processos já duram muito mais do que seis anos.
O PL ainda prevê que o plano de falência não estará sujeito ao consentimento do falido. Na visão de Koutoudjian, essa regra certamente é inconstitucional, pois as partes interessadas precisam ter o direito de se manifestar.
Sem corporativismo
A administradora judicial Lívia Gavioli Machado, sócia da Ativos Administração Judicial, afirma que a possibilidade de troca de administrador — inclusive durante o processo já em andamento — pode resultar em insegurança jurídica e grande prejuízo aos credores.
“A falta de observância ao direito intertemporal é evidente no substitutivo apresentado, gerando enorme insegurança jurídica com a troca de profissionais nas demandas, inclusive com prazos em curso”, diz ela. “O prejuízo aos credores é claro, à medida em que não só as informações serão perdidas, mas também o fluxo de trabalho será interrompido. Numa visão mais abrangente e reflexiva, é simples notar que não se trata de opinião corporativista, mas, sim, realista.”
Lívia refere-se à acusação de que os administradores judiciais, que se posicionaram de maneira contundente contra o projeto de lei, fizeram isso apenas por corporativismo. Segundo ela, trata-se de uma falácia porque, além de os processos de grande valor serem raros — ao contrário do que se depreende do texto do PL —, mesmo nesses casos os custos dos administradores são bastante elevados.
“O que não se considerou nas premissas utilizadas para se supor que os administradores judiciais ganham muito é que, na maioria dos casos, os profissionais não recebem para equacionar os custos, trabalham de graça”, afirma ela.
FONTE: https://www.conjur.com.br/2024-mar-29/texto-de-pl-que-altera-lei-de-falencias-gera-descontentamento-entre-especialistas-da-areA