Uma série de e-mails trocados entre Marcelo Odebrecht e executivos
afastados do grupo mostra como o empreiteiro usava de sua proximidade com o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ex-diretores da Petrobras para
tentar obter contratos em outros países. Anexadas aos autos da Operação
Lava Jato em dezembro, as mensagens tratam de negócios da Odebrecht na
Argentina, Bolívia e Peru. As informações são de Veja.
Em uma das trocas de e-mails destacadas pela Polícia Federal, Marcelo
Odebrecht – afastado da presidência do grupo em novembro, após ser preso
pela Lava Jato em 19 de junho – conversa com os executivos do grupo Carlos
Brenner, Roberto Prisco Ramos, Márcio Faria e Rogério Araújo. O assunto
tratado são negócios da Braskem – petroquímica da empresa em sociedade com
a Petrobras – no Peru e uma visita do ex-presidente Lula.
Para a PF, o documento indica a tentativa de Odebrecht de usar a influência
do ex-presidente para fechar o negócio. Quem também participa da troca de
mensagens é o ex-diretor de Internacional da Petrobras Nestor Cerveró e o
ex-gerente da estatal Luís Moreira.
Em 25 de janeiro de 2008, Brenner escreve para Roberto Ramos. “Vi no jornal
que o Lula estará em Lima em 5/3 para encontrar-se com Alan García
(ex-presidente peruano). O foco é a discussão de relações bilaterais. Já
pensou se conseguirmos incluir na agenda a assinatura do MoU?”, diz. O
negócio buscado pelo grupo, “MoU”, era um acordo para a instalação de um
polo petroquímico no Peru que envolvia a parceria entre Petrobras e
Petroperu. O projeto, segundo a Braskem, previa a industrialização de
etanol.
Cinco dias depois, em 30 de janeiro, Ramos envia a Rogério Araújo – preso
na Lava Jato e suposto operador de propinas do grupo – mensagem sobre o
caso. “Só para sua informação. O ideal era voltar ao assunto depois do
carnaval e ver se conseguimos combinar com nosso amigo Nestor (Cerveró)
estar em condições de assinar o protocolo durante a visita de Lula”.
No mesmo dia, Araújo repassa o e-mail de Ramos intitulado “Lula no Peru” a
Cerveró com a mensagem: “O que você acha desta estratégia?”. Um dia depois,
31, o ex-diretor de Internacional responde a Araújo e copia o ex-gerente da
Petrobras em seu e-mail funcional: “Este assunto já foi acertado com o
Cesar Gutierrez (presidente da Petroperu) na minha reunião da última
semana, quando estive em Lima. Acho boa ideia e vamos andar rápido com o
assunto”. A troca de mensagens é copiada para Marcelo Odebrecht. “Apenas
para inf. Assunto em evolução.”
Em 7 de fevereiro, o próprio dono da Odebrecht responde aos executivos.
“Ótimo. Estes eventos com Lula são bons pois criam um deadline.” O acordo
buscado pela Braskem foi assinado durante a visita de Lula.
Argentina – Nos e-mails anexados a um dos inquéritos em que executivos da
Odebrecht são investigados, há também a atuação de Marcelo Odebrecht em
visita de Lula feita em fevereiro de 2008 à Argentina. No relatório da PF,
foi destacado trecho de mensagem enviada por Odebrecht a Henrique
Valladares, executivo do grupo, em 4 de fevereiro. “Preciso (de) uma nota
sobre Garabi para preparar a ajuda memória final que quero enviar para Lula
até amanhã, referente à visita dele a Argentina.” O projeto é o da usina
hidrelétrica Garabi-Panambi, que está para ser construída na fronteira
entre Brasil e Argentina.
Marcelo Odebrecht recebe o material e responde: “Roberto (Ramos). Um terço
de página apenas ou o cara não lê”. Para a PF, o empreiteiro se referia a
Lula. “Pela dimensão e importância dos projetos atualmente em execução e em
estudo pela Odebrecht na Argentina, havendo oportunidade, seria importante
que o presidente Lula pudesse reforçar, junto à presidente Cristina
(Kirchner), a confiança que tem na Odebrecht”, diz outro trecho de mensagem.
Nas mensagens tratando sobre interesses da Odebrecht na Argentina, há
referência ao presidente da Bolívia, Evo Morales. “Sugere-se ao presidente
Lula comentar com o presidente Evo Morales sua satisfação em relação à boa
evolução do projeto.” O negócio de interesse naquele país era um polo de
gás químico. O encontro entre Lula, a ex-presidente argentina Cristina
Kirchner e Evo Morales ocorreu em 23 de fevereiro de 2008.
A Odebrecht diz lamentar “que se repita o expediente de vazamento de
mensagens descontextualizadas de ex-executivos da empresa” e afirma que
elas “expressam fatos absolutamente normais”, como o fornecimento de
subsídios para viagens a países onde empresas mantêm operações. “Tenta-se
promover uma leitura maliciosa de mensagens em que o ex-presidente da
holding Odebrecht se mantém informado sobre investimentos do acionista.
Previsões de mercado são propositalmente confundidas com informações
privilegiadas.”
A Odebrecht informou também que mantém “relações institucionais
transparentes” com presidentes “de forma condizente com a importância do
cargo em benefício de interesses nacionais”. Segundo a empresa, a prática é
comum nos EUA e França, cujos chefes de Estado promovem suas empresas na
busca por uma maior participação no comércio global.
A Braskem afirma que um acordo para a instalação de um polo petroquímico no
Peru “já estava em gestação desde antes da visita do ex-presidente Lula ao
país”. “O acordo foi efetivamente assinado durante a visita, dentro do rol
de acordos bilaterais comum a missões presidenciais.” O Instituto Lula não
respondeu aos questionamentos. Lula já negou “tráfico de influência” em
favor da Odebrecht e afirmou que “presidentes e ex-presidentes do mundo
inteiro defendem as empresas de seus países no exterior”.