A despeito das críticas da presidente Dilma Rousseff de que um eventual
governo Temer acabaria com programas sociais, as ações nesta área já vêm
sofrendo cortes significativos em função do ajuste fiscal e da retração da
economia. Pelo menos dez iniciativas importantes em diversos setores — como
reforma agrária, creches, combate às drogas e até o Bolsa Família —
perderam recursos neste ano em comparação com o Orçamento de 2015. As
informações são de Renata Mariz e Cristiane Jungblut n’O Globo
Levantamento da assessoria técnica do DEM, que corrigiu os números de 2015
pelo IPCA (inflação) de 10,67%, mostra quedas reais de até 87%. É o caso da
construção de creches. Se, em 2015, o valor foi de R$ 4,2 bilhões para esse
fim, neste ano caiu para R$ 502 milhões. O programa Minha Casa Minha Vida
perdeu 74% das verbas. No Pronatec, a diminuição foi de 59%. Programas
importantes de segurança e Saúde, como Crack, é possível vencer e Rede
Cegonha, tiveram redução superior a 20%.
A desidratação dos programas, como o fenômeno é chamado pelos técnicos,
ocorreu principalmente nos últimos dois anos, com o agravamento do rombo
das contas públicas. O governo anunciou uma tesourada no Orçamento de 2016,
quando refez as contas e precisou cortar R$ 30,5 bilhões. Na época, o Minha
Casa Minha Vida foi o mais atingido: teve sua previsão inicial reduzida de
R$ 15,6 bilhões para R$ 7 bilhões.
Em 2015, o governo suspendeu o Minha Casa Melhor, que oferecia crédito para
compra de móveis e eletrodomésticos a beneficiários do Minha Casa Minha
Vida. A iniciativa, criada em 2013 como desdobramento do programa
habitacional para baixa renda, acabou em menos de dois anos.
*NEM VITRINES DO GOVERNO ESCAPAM DE REDUÇÃO*
Grande vitrine das gestões petistas, que alcança um quarto da população
brasileira, o Bolsa Família não ficou imune às tesouradas. Em valores
reais, corrigidos pela inflação, a verba do programa caiu 5,7% — de R$ 30,4
bilhões para R$ 28,7 bilhões. Os cortes atingiram também as políticas para
a reforma agrária, que perderam cerca de 30% em verbas.
Para o doutor em Ciências Políticas José Matias-Pereira, da Universidade de
Brasília, os programas sociais só teriam sido preservados, em meio à falta
de recursos, se fossem submetidos a uma gestão séria, diligente e sem viés
eleitoral:
— A grande falha dos governos do Brasil nas últimas décadas é a
incapacidade de avaliar as políticas públicas. Os programas sociais foram
alvo de uma verdadeira orgia de alocação de recursos que, em tese, tinha
objetivos interessantes, mas com resultados limitados. Vimos então um salto
num primeiro momento e, agora, com a situação de baixa arrecadação, os
problemas começam a ficar evidentes.
Na avaliação de Matias-Pereira, o ideal é não anunciar “benesses”.
— A situação das finanças públicas é tão grave que um novo presidente não
deveria começar prometendo benesses. Até porque não adianta dizer que vai
ter um montante específico no Orçamento para determinada ação e, na hora de
desembolsar, não haver recursos disponíveis.
Especialista em Orçamento e professora-associada do Coppead/UFRJ, Margarida
Gutierrez aponta três fatores para a mudança no perfil dos gastos sociais:
os novos decretos de despesas terem de passar por autorização após os
problemas das pedaladas fiscais, queda brusca na arrecadação do governo e
um engessamento dos gastos. Do total do Orçamento, só 8% são despesas
livres para corte, sendo o restante de despesas obrigatórias, como gastos
previdenciários.
— A queda brusca na arrecadação já ocorreu em cima de uma queda no ano
anterior e tiveram que cortar as despesas discricionárias. Com isso, nem
preservar os programas sociais de cortes o governo está conseguindo mais —
disse Margarida.
Uma das áreas mais simbólicas do governo, que tem o slogan “Pátria
Educadora”, a Educação também sofre cortes. Além da redução de recursos
para a construção de creches e para o Pronatec, programas de apelo social,
como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), diminuíram. No caso do
Fies, a queda foi menor, de 5%. O quadro aponta para um “equívoco na
eleição de prioridades do governo”, segundo Daniel Cara, coordenador-geral
da Campanha Nacional pelo Direito à Educação:
— Quando o governo federal restringe recursos para creches, além de atingir
as crianças e as famílias, inclusive com impacto na empregabilidade das
mães, sabe que a cobrança por esse serviço recai sobretudo em cima dos
prefeitos. Por outro lado, preserva o Fies, em que o sucesso estará
atrelado diretamente à esfera federal.
*COMBATE AO CRACK TAMBÉM PREJUDICADO*
Na Saúde, a situação não é diferente. O programa Unidades Básicas de Saúde,
estratégico para desafogar os hospitais, perdeu 23,7% dos recursos.
Iniciado em 2011, o programa Crack, é possível vencer, está com orçamento
de R$ 395,2 milhões, ante R$ 786 milhões de 2015, uma redução de 49,7%.
Lígia Bahia, médica sanitarista e doutora em Saúde Pública, considera que a
crise econômica não justifica a redução de recursos em programas basilares
da área. Ela propõe que os cortes ocorram em outras áreas e aponta a
política de subsídios como mais uma falha do governo:
— No momento em que falta vacina, penicilina e antibiótico nos hospitais,
não faz sentido continuar financiando hospitais filantrópicos que não
atendem ninguém do SUS e todas as deduções fiscais concedidas hoje. Vamos
cortar a Saúde ou o salário do Judiciário? A Saúde ou um grande número de
cargos públicos? — questiona.
Os ministérios que executam os programas citados mencionam a necessidade de
readequação das ações em virtude do ajuste fiscal. Sobre o Minha Casa Minha
Vida, o Ministério das Cidades afirma que espera um aporte adicional de até
R$ 4,8 bilhões de recursos do FAT. E minimiza a queda de 74% na verba,
argumentando que o programa tem várias fases e que a necessidade de verbas
em 2016 é menor do que em 2015. O Ministério da Saúde argumenta que a
previsão de orçamento para unidades básicas, considerando investimento e
custeio, chega a R$ 1,7 bilhão, 40% maior que o executado em 2015, mas com
valores sem correção. Sobre a Rede Cegonha, a pasta reconhece reduções, mas
afirma que, conforme os serviços são instalados, é natural que a demanda
diminua, passando a pressionar uma outra fonte de repasse de recursos: o
teto de alta e média complexidade.
O Incra destacou que vem buscando novas fontes de recursos para a política
agrária, inclusive com o BNDES. Já a Educação informa que fez modificações
no Fies e ProUni para economizar sem diminuir o acesso aos estudantes. As
pastas de Desenvolvimento Social e da Justiça não se manifestaram.
Em meio à necessidade de ajuste fiscal, iniciativas na área social foram
suspensas ou canceladas. O Ciência Sem Fronteiras é um deles. O último
edital, que beneficiou 101 mil estudantes de graduação ou pós com bolsas
fora do país, foi em 2014. Ainda estão suspensas novas bolsas no exterior
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O
outro braço de apoio da pós-graduação, a Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (Capes), do Ministério da Educação, suspendeu
mais de 7 mil bolsas.
Para o líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), os números destroem o
discurso de Dilma de que protege os programas sociais:
— Eles estão falando na possibilidade de cortes de um novo governo, mas já
estão fazendo os cortes. Isso deixa claro que o discurso é uma coisa e a
prática, outra.
(foto: Fabio Teixeira/Extra)
*link matéria*
http://extra.globo.com/noticias/brasil/programas-sociais-tem-cortes-de-ate-87-com-dilma-19206041.html#ixzz47PSUFunh
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