As eleições municipais deste ano deverão ser marcadas por práticas de caixa
dois e os candidatos ao Executivo que buscam a reeleição serão beneficiados
pelo uso da máquina administrativa em suas campanhas. Com a proibição de
doações de pessoa jurídicas a candidatos, estar no governo será fundamental
para adaptar a agenda administrativa ao ritmo eleitoral e fechar acordos
partidários que garantam tempo de televisão e um exército de pretendentes a
cargos proporcionais que sirvam de cabos eleitorais para os postulantes a
cargos majoritários.
A previsão é do ex-senador Delcídio do Amaral, cassado por quebra de
decoro pelo Senado, depois de ter sido preso por obstrução à Operação
Lava-Jato e se tornado delator. Até o ano passado, era o líder do governo
Dilma no Senado e filiado ao PT. Depois de colaborar com a Justiça, acusou
colegas no Senado e foi cassado por unanimidade um dia antes do Senado
votar a admissibilidade do impeachment. Para Delcídio, o setor privado de
saúde é o mais exposto a uma interface política depois do cerco às
empreiteiras estabelecido pelas investigações, que em sua opinião estão
longe de terminar, mesmo depois da queda do governo petista. Aos 61 anos e
sem direitos políticos até 2027, Delcidio não descarta retornar à política.
O ex-senador comenta as suspeitas de corrupção em Furnas Centrais
Elétricas. Ele sustenta que tomou conhecimento da existência de
irregularidades na estatal, mas evita relacioná-las com o presidente do
PSDB, senador Aécio Neves (MG), Delcidio afirma que o diretor de engenharia
de Furnas, Dimas Toledo, tinha amplo apoio partidário e era conhecido por
todos os presidentes com quem trabalhou, tanto Fernando Henrique Cardoso,
quanto Luiz Inacio Lula da Silva. A seguir, os principais trechos da
entrevista exclusiva concedida ao Valor, na casa de um familiar de
Delcídio, em São Paulo:
*Valor: Com a proibição de pessoas jurídicas doarem à campanhas eleitorais,
como ficará o jogo de forças entre os candidatos à prefeitura de São Paulo?*
*Delcídio do Amaral:* Agora só leva vantagem quem está no poder. Nas
prefeituras, por exemplo. Ou quem detém os governos nos estados. Porque são
os únicos que podem eventualmente bancar campanha. E mais: é a
institucionalização do caixa dois. Porque como você tem muitas restrições
de doação, o caixa dois nesta eleição vai ser uma festa. Quem detiver as
máquinas administrativas vai ter estrutura para fazer política. O candidato
de oposição não vai. A não ser que seja um candidato muito forte e que
esteja muito consolidado. No caso de um candidato novo, ele não tem chance.
Ele vai brigar contra uma máquina que trabalha dia e noite. Então vai ser
ou a reeleição do prefeito, ou a eleição do candidato do prefeito.
*Valor: Como será esse uso da máquina pública?*
*Delcídio:* Vai se montar uma chapa de vereadores para trabalhar como cabos
eleitorais. Tem as secretarias, que vão fazer a política dos candidatos.
Porque você pode fazer política prestigiando determinados convidados,
usando as secretarias, com divulgação. Hoje, em uma secretaria de Educação,
por exemplo, você tem uma ascendência forte sobre os diretores de escolas.
Tem uma ascendência forte no dia a dia dos bairros, das cidades. Com a
secretaria de Saúde é a mesma coisa. É o atendimento, é aquela velha
política, a ‘bica d’água’. É uma coisa absolutamente anos 80.
*Valor: Isso torna o prefeito de São Paulo Fernando Haddad mais forte como
candidato, apesar do abalo estrutural sofrido pelo PT?*
*Delcídio:* O Haddad é uma liderança importante. Isso pode ser um trunfo
para ele. Mesmo com todo o desgaste que o PT sofreu, especialmente em São
Paulo. Talvez até uma situação bem diferenciada em relação ao restante do
Brasil.
*Valor: Há três máquinas na disputa municipal em São Paulo: a do Haddad, a
federal, com a Marta Suplicy (PMDB) e a estadual do governador Geraldo
Alckmin (PSDB), que busca eleger o tucano João Dória Júnior. Qual delas vai
fazer a diferença em São Paulo?*
*Delcídio:* É difícil dizer. Mas dentro deste cenário que está se
avizinhando, a Marta cria uma musculatura. A Marta volta a ser muito
competitiva, com essa mudança, com o Michel Temer. Sem dúvida alguma.
*Valor: Que outro setor pode suprir o papel antes desempenhado pelas
empreiteiras, como doadoras de campanha?*
*Delcídio*: O que eu sinto hoje é um interesse muito grande em empresa
ligadas à Saúde. Hoje a gente vê o interesse que a Anvisa passou a
despertar. Antes a disputa era pela Agência Nacional do Petróleo, Agência
Nacional de Energia Elétrica, Agência Nacional de Telecomunicações. Agora é
ANS, é Anvisa, esse é o foco maior.
*Valor: Elas são as novas joias da coroa?*
*Delcídio: *Eu creio que sim. E você veja o crescimento dessas empresas que
controlam planos de saúde, que em poucos anos se tornaram verdadeiras
potências. Parece que há uma migração. Porque eu não vejo mais ninguém
brigar forte por Aneel, ANP, por nada disso.
*Valor: E quem está ganhando essa nova briga?*
*Delcídio:* Está em aberto, vamos ver como as coisas ficam. Tem uma outra
composição [política] agora. Alguns [diretores] ainda têm mandatos, porque
as agências têm mandatos que são coincidentes com os mandatos majoritários.
*Valor: Então a agência reguladora é o aspecto mais importante dessa
mudança?*
*Delcídio: *Vou te dar um exemplo que conheço bem que é o do Raul Cutait,
meu médico. Um dos melhores quadros que a saúde brasileira tem, reconhecido
mundialmente. Aí os caras queriam indicar políticos. Ele, como é muito
inteligente, não ia jogar fora a história dele e resolveu não aceitar [a
indicação para o cargo de ministro da Saúde. O nome de Cutait foi vetado
pelo presidente nacional do PP, Ciro Nogueira (PI), que exigiu que a equipe
técnica da pasta fosse indicada pelo partido]. E por que? Porque a Saúde é
uma máquina. Porque a Saúde tem um orçamento que é compulsório, tem uma
série de amarras que outros ministérios não têm. Então você vai
contingenciar, a Saúde você tem lá um orçamento com um teto mínimo
estabelecido por lei. Não pode escapar. Tem de cumprir, é compulsório.
Então é uma área em que você tem segurança dos recursos que você vai ter à
sua disposição.
*Valor: Significa que o ministro da Saúde Ricardo Barros (PP-PR) e o
partido passam a ter grande poder no governo?*
*Delcídio:* Sim, é uma posição muito boa, porque é um ministério vital.
Foram feitas indicações políticas, é um ministério político. Mas acho que
tem algumas áreas que são sensíveis e por isso, na minha leitura, deveriam
ser ocupadas por pessoas que conhecessem bem esses segmentos. Mas,
infelizmente, o desenho que está aí não é esse.
*Valor: Recentemente o senhor fez declarações que indicam uma mudança no
seu convencimento sobre o que seria um esquema de corrupção em Furnas. O
senhor voltou atrás sobre o suposto envolvimento do senador Aécio Neves
(PSDBMG)?*
*Delcídio:* Não, não é isso. Porque eu conheço bem esse assunto. Essa
questão de Furnas era o compartilhamento de três partidos: O PP, o PSDB e o
PT. E assim foi. Existe uma farta documentação que vai levar a uma
investigação detalhada sobre tudo isso.
*Valor: E que farta documentação é essa?*
*Delcídio:* Que tramitou, inclusive, durante a CPI dos Correios. Documentos
que vieram à tona posteriormente. E acho que temas correlatos têm sido até
motivo de investigação pelas autoridades, pelo Ministério Público. E há
colaborações que fazem citações expressas à questão de Furnas. É uma coisa
absolutamente capilarizada. Isso vem lá de trás e continua.
*Valor: Não ficou claro se o senhor apresentou alguma prova sobre o suposto
envolvimento do Aécio.*
*Delcídio:* Eu não falei especificamente do Aécio. Eu contei um pouco essa
questão de Furnas, até porque me foi perguntado sobre isso. Mas o tempo vai
dizer. Isso é tranquilo. Porque esse assunto é recorrente. E está vindo à
tona novamente. Eu conheço o Dimas Toledo, [exdiretor de engenharia de
Furnas], ele é um diretor experiente e muito técnico na área de energia. De
carreira no setor. O Dimas é uma figura que, talvez, tenha sido um dos
melhores engenheiros nessa área. Tanto é que ele tinha tamanho
protagonismo. Ele era do governo Fernando Henrique e continuou no cargo no
governo Lula. É uma força que vem do PP, do PSDB e depois do PT.
*Valor: O senhor diria que a Operação Lava-Jato deixou de avançar ou ainda
não avançou tudo o que poderia sobre o PSDB? O doleiro Alberto Youssef e o
exdiretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa disseram que o
expresidente nacional do PSDB Sérgio Guerra (morto em 2014) recebeu R$ 10
milhões para esvaziar a CPI da Petrobras de 2009.*
*Delcídio:* Eu não conheço de perto essa linha de investigação. Mas esse
tipo de operação nas CPIs da Petrobras foi muito mais ampla. Você pode ver
a questão dos requerimentos. Você convocar e depois desconvocar. Chamar a
pessoa para conversar. E isso está aparecendo agora [o ex-senador Gim
Argello (PTB-DF) foi preso pela LavaJato por suspeita de extorquir
empreiteiros em troca da dispensa de convocação às CPIs da Petrobras
instaladas no Congresso em 2014). Isso ainda vai ter desdobramentos.
*Valor: O senhor prestará novos depoimentos em sua delação à
Procuradoria-Geral da República.*
*Delcídio: *Sim, até porque isso é normal na colaboração. Faz um
complemento, um esclarecimento. Você pode ser chamado a esclarecer algum
ponto.*André Guilherme Vieira e César Felício, Valor Econômico*
(foto: Valor)///
*link entrevista*
http://www.valor.com.br/politica/4571495/vai-ser-uma-festa-diz-delcidio-sobre-caixa-dois-eleitoral