O fim da era PT*
*A nova prisão de Dirceu, num esquema de enriquecimento pessoal, transforma
o partido num símbolo da corrupção e abrevia o adeus da legenda que
prometeu mudar a maneira de fazer política no país, mas decepcionou os
brasileiros*
A segunda prisão de José Dirceu, ocorrida na segunda-feira 3, não
constituiu uma surpresa para ninguém. Nem para ele. O ex-ministro, enredado
no mensalão e, agora também, no Petrolão, já se encontrava na alça de mira
da Lava Jato desde a prisão de Renato Duque, ex-diretor e seu apadrinhado
na Petrobras. A delação do lobista Milton Pascowitch, relacionando o
petista ao recebimento de propina pessoal travestida de consultoria, foi
apenas a pá de cal. Apesar de não ter sido algo inesperado, o novo
recolhimento de Dirceu ao cárcere teve um significado emblemático: cravou
no partido a marca indelével da corrupção, decretando praticamente o fim da
era petista no poder. Mesmo com a – cada vez mais improvável –
sobrevivência da presidente Dilma Rousseff, fica difícil vislumbrar um
horizonte para o PT sem haver uma reformulação radical na legenda. Isso se
o partido não precisar mudar de nome mais adiante. “O cenário é distinto
daquele do mensalão. Nem a melhora da economia salva o PT”, resignou-se o
ex-presidente Lula em reunião com petistas na última semana. O Petrolão
mostrou de maneira inequívoca que Dirceu e o PT criaram uma espécie de
toque de Midas ao avesso: quase tudo em que o partido meteu a mão teve a
sujeira da corrupção. Em vez de transformado em ouro, cada órgão
administrado pela legenda se deteriorou. Saqueada pelo PT, segundo os
investigadores da Lava Jato, a Petrobras já valeu R$ 500 bilhões em 2008.
Hoje seu valor de mercado é de R$ 100 bilhões. Outras estatais como a
Eletrobrás, aparelhadas sem piedade pelo partido, trilham semelhante
caminho. Por práticas nada republicanas, foram parar na cadeia, antes de
Dirceu, outras figuras de proa da legenda: o ex-presidente da sigla José
Genoíno; o ex-presidente da Câmara, João Paulo Cunha; o ex-deputado e líder
da bancada, Anré Vargas;; e os ex-tesoureiros Delúbio Soares e João Vaccari
Neto.
A nova prisão de Dirceu trouxe, porém, outro elemento agravante – e, aí
sim, decepcionante até para seus mais ferrenhos defensores, que ainda
permaneciam iludidos, a despeito das abundantes e variadas evidências de
desvios de dinheiro público. O petista, considerado “o capitão do time” por
Lula quando era ministro da Casa Civil, foi apanhado roubando para
enriquecimento pessoal e não mais em nome de um “projeto de País” ou de
“poder”, como alegava o PT até então – como se isso já fosse algo banal. Ou
seja, se já era abominável o discurso petista segundo o qual os fins
justificavam os meios, mais inaceitável ainda é agora quando se descobre
que tanto os meios quanto os fins eram indecentes. Ao decretar a prisão
preventiva de Dirceu, o juiz Sérgio Moro disse que o petista recebia
propinas desde 2003, quando assumiu a Casa Civil. Para Moro, as provas
reforçam os indícios de “profissionalismo e habitualidade na prática do
crime” e caracterizam “acentuada conduta de desprezo não só à lei e à coisa
pública, mas igualmente à Justiça criminal e à Suprema Corte”. O procurador
Carlos Fernando Lima, integrante da força-tarefa da Lava Jato resumiu: “A
responsabilidade de José Dirceu, aqui, é como beneficiário de maneira
pessoal, não mais de maneira partidária, enriquecendo pessoalmente”.
Segundo a Lava Jato, os valores eram pagos a Dirceu por meio de falsos
contratos de prestação de serviços da JD Consultoria. Às vezes em dinheiro
vivo. Houve casos de ressarcimento de despesas pessoais. Entre 2007 e 2014,
as propinas destinadas a Dirceu somavam R$ 90 milhões. Parte do dinheiro –
cerca de R$ 1 milhão – serviu para reformar um apartamento do irmão do
ex-ministro, Luiz Eduardo de Oliveira Silva, na Vila Mariana, Zona Oeste de
São Paulo. Outros R$ 1,3 milhão pagaram a arquiteta responsável pela
reforma da casa de Dirceu em Vinhedo (SP). O delator Milton Pascowitch
ainda contou ter bancado para o petista metade de um jatinho Cessna 560 XL,
avaliado em R$ 2,4 milhões. “O PT já está todo maculado. Isso é uma pá de
terra”, avaliou o deputado federal Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE). “O PT está
afetado no limite máximo, pelo que algumas pessoas da sigla realizaram, no
mensalão e no caso da Petrobras. O partido chegou ao fim de um ciclo”,
reconheceu o ex-governador petista Tarso Genro, eterno candidato a promover
a reformulação da legenda.
Não à toa, a recepção a Dirceu, na carceragem da PF em Curitiba, foi
completamente distinta daquela exibida no mensalão. Em vez dos aplausos
calorosos da militância, vaias, foguetórios e gritos de ladrão. Na primeira
condenação, Dirceu, de punhos erguidos, foi recebido pelos camaradas ao
coro de “guerreiro do povo brasileiro”. Havia, entre os petistas, a
sensação de que a sentença inicial de Joaquim Barbosa, relator do mensalão,
fora dura deamais ao apontá-lo. Semana passada, nem mesmo o PT teve a
coragem de defendê-lo. Em nota, sem mencionar o líder de outrora, o partido
alegou somente a legalidade das operações financeiras da legenda. “As
acusações contra ele são de caráter pessoal”, lavou as mãos o presidente do
PT, Rui Falcão. Claro, trata-se de mais uma estratégia do partido na
tentativa de não se contaminar ainda mais com a prisão do seu ícone. Em vão
— é impossível dissociá-los. A trajetória política e de vida de Dirceu
se confunde
com a do PT. Foi Dirceu quem, ao assumir o partido em 1995, pavimentou a
ascensão de Lula e do PT ao poder, em 2002. Depois, tornou-se o homem forte
de Lula na Presidência até desabar ladeira abaixo enrolado numa fieria de
escândalos.
O que se conhece agora ainda é mais grave e, por isso, fere de morte a
legenda um dia depositária dos sonhos de milhares e milhares de brasileiros
que acreditaram na esperança vendida por Lula e companheiros. O esquema de
corrupção e pagamento de propina começou no primeiro mandato lulista e
perdurou até 2015, segundo a Lava Jato. Graças a uma simples descoberta,
durante uma investigação de lavagem de dinheiro, a de que o doleiro Alberto
Yousseff havia doado um carro importado a um diretor da Petrobras, no caso,
Paulo Roberto Costa, o fio de um imenso novelo foi puxado e conclui-se
sobre a confluência dos dois escândalos, o mensalão e o Petrolão. Ambos
gestados, segundo os investigadores, a partir da Casa Civil de Lula. Agora,
procuradores e agentes federais dedicam-se a buscar evidências que
possibilitem destrinchar a cadeia de comando até o topo. Entre os
investigadores, comentava-se na semana passada a possibilidade de o
ex-presidente ser convocado a depor para prestar esclarecimentos, antes de
uma eventual prisão, o que já seria péssimo para sua imagem. Para blindar
Lula, há no Planalto quem defenda que ele assuma um ministério de Dilma.
Neste caso, o ex-presidente ganharia foro privilegiado e, em caso de
denúncia contra ele, o processo seria remetido ao STF. A alternativa,
porém, dividia o governo até o fim da semana, pois enfraqueceria ainda mais
a presidente.
Num último esforço para tentar limpar a barra da legenda, o PT foi à
televisão na noite quinta-feira 6. Ao contrário do imaginado, no entanto, o
programa só atiçou ainda mais a indignação de setores do eleitorado
refratários ao PT – hoje a expressiva maioria da população. Recheado de
cinismo, o filmete petista, ancorado pelo militante e abnegado petista José
de Abreu, amigo pessoal de Zé Dirceu, chegou ao cúmulo de dizer que o País
vivia “problemas passageiros na economia”. Dono dos piores índices
econômicos em quinze anos, o partido teve a desfaçatez de se comparar ao
que chamou de melhor período das gestões anteriores. “Nosso pior momento
ainda é melhor do que o melhor momento dos governos passados”, diz, desta
vez, na voz de Lula. Como na campanha, o PT ainda atentou contra o bom
senso e a inteligência da população ao voltar a prometer a retomada do
crescimento, com preços em baixa e emprego em alta, além de saúde e
educação de qualidade. Resultado: consumou-se a reprise do sonoro panelaço
a ecoar pelas principais cidades do País, gesto ilustrativo da debacle do
partido.*Sérgio Pardellas, IstoÉ*