Terão de construir mais 3 celas: para mim, Lula e Dilma”, dizia Emilio Odebrecht, sobre possível
prisão do filho. O presidente da Odebrecht, Marcelo, foi preso nesta
sextaFilipe Coutinho, Thiago Bronzatto e Diego Escosteguy – Época*
Desde que o avançar inexorável das investigações da Lava Jato expôs ao
Brasil o desfecho que, cedo ou tarde, certamente viria, o mercurial
empresário Emilio Odebrecht, patriarca da família que ergueu a maior
empreiteira da América Latina, começou a ter acessos de raiva. Nesses
episódios, segundo pessoas próximas do empresário, a raiva – interpretada
como ódio por algumas delas – recaía sobre os dois principais líderes do
PT: a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. A exemplo dos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado,
Renan Calheiros, outros dois poderosos alvos dos procuradores e delegados
da Lava Jato, Emilio Odebrecht acredita, sem evidências, que o governo do
PT está por trás das investigações lideradas pelo procurador-geral da
República,Rodrigo Janot. “Se prenderem o Marcelo (Odebrecht, filho de
Emilio e atual presidente da empresa), terão de arrumar mais três celas”,
costuma repetir o patriarca, de acordo com esses relatos. “Uma para mim,
outra para o Lula e outra ainda para a Dilma.”
Na manhã da sexta-feira, 19 de junho de 2015, 459 dias após o início da
Operação Lava Jato, prenderam o Marcelo. Ele estava em sua casa, no
Morumbi, em São Paulo, quando agentes e delegados da Polícia Federal
chegaram com o mandado de prisão preventiva, decretada pelo juiz Sergio
Moro, da 13ª Vara Federal da Justiça Federal do Paraná, responsável pelas
investigações do petrolão na primeira instância. Estava na rua a 14ª fase
da Lava Jato, preparada meticulosamente, há meses, pelos procuradores e
delegados do Paraná, em parceria com a PGR. Quando ainda era um plano,
chamava-se “Operação Apocalipse”. Para não assustar tanto, optou-se por
batizá-la de Erga Omnes, expressão em latim, um jargão jurídico usado para
expressar que uma regra vale para todos – ou seja, que ninguém, nem mesmo
um dos donos da quinta maior empresa do Brasil, está acima da lei. Era uma
operação contra a Odebrecht e, também, contra a Andrade Gutierrez, a
segunda maior empreiteira do país. Eram as empresas, precisamente as
maiores e mais poderosas, que ainda faltavam no cartel do petrolão. Um
cartel que, segundo a força-tarefa da Lava Jato, fraudou licitações
daPetrobras, desviou bilhões da estatal e pagou propina a executivos da
empresa e políticos do PT, do PMDB e do PP, durante osmandatos de Lula e
Dilma.
Os comentários de Emilio Odebrecht eram apenas bravata, um desabafo de pai
preocupado, fazendo de tudo para proteger o filho e o patrimônio de uma
família? Ou eram uma ameaça real a Dilma e a Lula? Os interlocutores não
sabem dizer. Mas o patriarca tem temperamento forte, volátil e não tolera
ser contrariado. Também repetia constantemente que o filho não “tinha
condições psicológicas de aguentar uma prisão”. Marcelo Odebrecht parece
muito com o pai. Nas últimas semanas, segundo fontes ouvidas por ÉPOCA,
teveencontros secretos com petistas e advogados próximos a Dilma e a Lula.
Transmitiu o mesmo recado: não cairia sozinho. Ao menos uma dessas
mensagens foi repassada diretamente à presidente da República. Que nada fez.
Quando os policiais amanheceram em sua casa, Marcelo Odebrecht se
descontrolou. Por mais que a iminência da prisão dele fosse comentada
amiúde em Brasília, o empresário agia como se fosse intocável. Desde maio
do ano passado, quando ÉPOCA revelara asprimeiras evidências da Lava Jato
contra a Odebrecht, o empresário dedicava-se a desancar o trabalho dos
procuradores. Conforme as provas se acumulavam, mais virulentas eram as
respostas do empresário e da Odebrecht. Antes de ser levado pela PF, ele
fez três ligações. Uma delas para um amigo que tem interlocução com Dilma e
Lula – e influência nos tribunais superiores em Brasília. “É para resolver
essa lambança”, disse Marcelo ao interlocutor, determinando que o recado
chegasse à cúpula de todos os poderes. “Ou não haverá República na
segunda-feira.”
Antes mesmo de chegar à carceragem em Curitiba, Marcelo Odebrecht estava
“agitado, revoltado”, nas palavras de quem o acompanhava. Era um
comportamento bem diferente de outro preso ilustre: o presidente da Andrade
Gutierrez, Otávio Azevedo. Otávio Azevedo, como o clã Odebrecht, floresceu
esplendorosamente nos governos de Lula e Dilma. Tem uma relação muito
próxima com eles – e com o governador de Minas Gerais, o petista Fernando
Pimentel, também investigado por corrupção, embora em outra operação da PF.
Otávio Azevedo se tornou compadre de Pimentel quando o petista era ministro
do Desenvolvimento e, como tal, presidia o BNDES.
Não há como determinar com certeza se o patriarca dos Odebrechts ou seu
filho levarão a cabo as ameaças contra Lula e Dilma. Mas elas metem medo
nos petistas por uma razão simples: a Odebrecht se transformou numa empresa
de R$ 100 bilhões graças, em parte, às boas relações que criou com ambos.
Se executivos da empresa cometeram atos de corrupção na Petrobras e,
talvez, em outros contratos estatais, é razoável supor que eles tenham o
que contar contra Lula e Dilma.
A prisão de Marcelo Odebrecht encerra um ciclo – talvez o maior deles – da
Lava Jato. Desde o começo, a investigação que revelou o maior esquema de
corrupção já descoberto no Brasil mostrou que, em 2015, é finalmente
possível sonhar com um país com menos impunidade. Pela primeira vez,
suspeitos de ser corruptores foram presos – os executivos das empreiteiras.
Antes, apenas corruptos, como políticos e burocratas, eram julgados e
condenados. E foi precisamente esse lento acúmulo de prisões, e as delações
premiadas associadas a elas, que permitiu a descoberta de evidências de
corrupção contra Marcelo Odebrecht, o empreiteiro que melhor representa a
era Lula. Foram necessárias seis delações premiadas, dezenas de buscas e
apreensão em escritórios de empresas e doleiros e até a colaboração de
paraísos fiscais para que o dia 19 de junho fosse, enfim, possível.