Tratado pelo governo como grande trunfo para criar uma agenda positiva, o
pacote de concessões que a presidente Dilma Rousseff lançado esta semana é visto com
desconfiança pelo mercado. Com o objetivo de destravar o investimento
privado, acanhado pelos péssimos indicadores econômicos do país, o plano
deve envolver R$ 190 bilhões em obras de infraestrutura nos próximos anos,
valor confirmado ontem por fontes do governo. Os especialistas, contudo,
estão pessimistas e acreditam que o novo pacote nada mais é do que uma
reformulação do Programa de Investimento em Logística (PIL), lançado em
2012, e que até agora não deslanchou.
Nem sequer a quantia bilionária é levada a sério pelos analistas, para quem
projetos incertos, como a proposta feita pelos chineses de implantar a
ferrovia bioceânica Brasil-Peru, que turbinaram o valor de R$ 190 bilhões,
assim como o Trem de Alta Velocidade (TAV) entre Rio e São Paulo
supervalorizam programas sem resultar em nada. Além disso, a execução das
concessões terá de enfrentar as mesmas dificuldades da privatização
anterior, com gargalos regulatórios e insegurança jurídica, além de novos
desafios, como menor participação do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) nos financiamentos e a restruturação do setor de
construção, em parte envolvido na Operação Lava-Jato.
O anúncio do pacote de infraestrutura foi adiado várias vezes, e isso só
aumentou a desconfiança. “Até agora, não se veem movimentos efetivos, como
mudanças em modelos. Não estou nada otimista e acho que o mercado todo está
desconfiado de que não vai sair nada dali”, sentenciou o especialista em
Infraestrutura do Escritório L.O. Baptista-SVMFA, Fernando Mercondes. “O
cenário é difícil para o governo ter credibilidade com qualquer coisa. O
risco regulatório é grande, a insegurança jurídica também. Quem é que vai
investir num ambiente assim?”, indagou o diretor do Centro Brasileiro de
Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires.
Dentro do governo, no entanto, a cartada é considerada a salvação da
lavoura. O ministro da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva,
disse ontem que o plano de investimentos será “o maior da história”. “Na
semana passada, tivemos o Plano Safra. Amanhã (hoje) teremos o lançamento
do maior plano de investimento em logística da história do país”, afirmou,
citando ainda outros programas como o plano de exportações e o Minha casa,
minha vida 3, a ser divulgado no mês que vem.
Aprendizado – Para os especialistas, a única chance de o programa
deslanchar é o governo flexibilizar condições e adotar regras de mercado,
como reduzir ou eliminar a participação de estatais, ampliar prazos de
concessão e não exigir modicidade tarifária. Na avaliação do economista
Thiago Biscuola, da RC Consultores, a série de pacotes encalhados gerou uma
curva de aprendizado. “Os modelos anteriores fracassaram porque não se
mostraram atrativos e continham falhas que inibiam os investidores. Vamos
ver se, desta vez, eles vão dar segurança jurídica para que o pacote seja
aceito pelo mercado.”
Uma das maiores restrições do mercado diz respeito à participação de
estatais nos projetos. O caso mais emblemático é a modelagem ferroviária,
que travou as concessões ao vincular o gerenciamento e a compra das cargas
à Valec, estatal do setor. O secretário de Acompanhamento Econômico do
Ministério da Fazenda, Paulo Corrêa, quando esteve em Cingapura, sentiu
preocupação dos investidores estrangeiros em relação à Valec. “O risco
fiscal é grande. Esse assunto está sendo analisado pelo governo”, garantiu,
na ocasião. No caso dos aeroportos, a possibilidade já aventada no Planalto
é de que a fatia da Infraero caia de 49%.
O coordenador do Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom
Cabral (FDC), Paulo Resende, acredita que o governo deverá flexibilizar
condições para garantir a atratividade. “O mercado olha com muita
desconfiança para este pacote. O governo vai ter que jogar com regras de
mercado e usar todas as ferramentas que tiver para aumentar o nível de
confiança”, ressaltou. Para Resende, o governo Dilma foi muito pautado por
ideologia, exigindo tarifas baixas e participação da União nas concessões.
“Agora, acredito que pode até surpreender e reduzir a parte da Infraero nos
aeroportos para menos do que 15%. Já em ferrovias, é uma incógnita. O ideal
seria substituir completamente o modelo atual”, assinalou.
Na avaliação de João Augusto de Castro Neves, diretor para America Latina
da Eurasia Group, apenas as concessões de aeroportos e rodovias devem sair
mais rapidamente. “Esses serão os ativos mais atraentes porque já estão
construídos em parte e geralmente são sujeitos a menos obstáculos
regulatórios”, afirmou. O governo já antecipou que, pelo menos, quatro
aeroportos serão colocados em leilão. Quanto às rodovias, a idéia é
concluir a licitação de quatro trechos e colocar na pauta mais 11 projetos.
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