Uma série de áudios vazados em grupos de whatsapp nos últimos dias traz um roteiro de tramas e traições entre os interessados na cassação da vereadora Anice Gazzaoui (PP) em Foz do Iguaçu. As gravações expõem troca de cargos e pressão da opinião pública sobre o Gaeco. O advogado exposto nos áudios diz que gravação “foi ilegal”.
As gravações mostram conversas vazadas do analista de sistema Marcos Antônio da Silva, ex-assessor da vereadora, com o suplente de vereador e advogado Ian Vargas (PT) e a advogada Katiane Camacho em diálogos sobre estratégias para criar um ambiente político insustentável para a vereadora Anice que atenderia o suplente de vereador Paulinho da Saúde (PP). O petista, conforme os áudios, só agiria se houvesse “contrapartida financeira e política”.
Nos áudios, Vargas apresenta Marcos Silva a advogada acusada agora de vazar as conversas. Marcos Silva, nas conversas, detalha como os cargos seriam distribuídos: três assessorias já estavam reservadas – uma para ele próprio, outra para João Motoka e a terceira para Reinaldo, ligado à Liga dos Árbitros. A quarta vaga seria destinada à advogada que deveria protocolar o pedido de cassação contra Anice, alegando quebra de decoro parlamentar.
“O Paulinho não se elegeu, ficou como primeiro suplente, e eu dei a sugestão: ‘Por que não trazer alguém da área jurídica?’. Hoje nós temos três assessorias. (…) Sobrou uma assessoria que seguramos justamente para colocar alguém da parte jurídica para trabalhar (a representação)”, explica Marcos.
A tentativa de convencimento incluía a minimização dos riscos. “Não tem o que dar ruim. Porque você é uma cidadã que está entrando com uma representação pedindo a moralidade da Câmara Municipal. É um direito seu”, argumenta o ex-assessor da vereadora.
Nota-se que pelas gravações não aparecem a participação do suplente do vereador Paulinho da Saúde do (PP) que foi citado apenas como beneficiário com a saída da vereadora.
*PRESSÃO NA VALENTINA –
* Nas conversas, Vargas expôs a vereadora Valentina (PT) e sugeriu que a nomeação de um primo da parlamentar poderia ser utilizada para pressionar o voto da petista pela cassação de Anice. “Olha, agora a Valentina não viu o primo. Pode ser que eles lá resolvam fazer nada. Mas é a mesma coisa (…) Tudo bem, você joga no STF e lá diz que o primo não é nepotismo. Mas, eticamente (…)”, diz Vargas, indicando que a pressão poderia ser suficiente para derrubar um mandato.
As gravações escancaram que o grupo formado pelo ex-assessor e o advogado buscava narrativas para justificar a saída de Anice. “Se ela (Valentina) perder o mandato, quem entra é o Luiz Henrique. Mas assim, ela já fez isso no primeiro mês (…) Tudo pode acontecer lá”, afirmou o advogado.
*PRESSÃO NO GAECO –
* Além da articulação dentro da Câmara, Marcos Antônio da Silva discutiu formas de pressionar o Gaeco a agir contra Anice. Ele sugeriu incluir no pedido de cassação uma solicitação para que o órgão compartilhasse informações sigilosas sobre os processos da vereadora.
“Na realidade, se você coloca isso aí, pode até o Gaeco responder que não. Mas aí os vereadores se cagam todos. Porque você está chamando, evocando o Gaeco. Porra, vereadores dando não para o Gaeco? Já é um fato a mais para abrir a cassação”, afirma.
No áudio, a advogada alertou que o pedido violaria normas de sigilo judicial, mas Marcos insistiu. Além disso, ele revelou possuir um “drive” com documentos sigilosos que seriam compartilhados para reforçar as acusações contra Anice.
*PROVAS* –
“Depois eu compartilho com você um drive que eu tenho com todas as provas do processo”, disse Marcos Silva. O advogado petista reconhece a ilegalidade do compartilhamento e sugere outro caminho: “Vamos juntar as reportagens, reforçar as acusações que constam no release do Gaeco. Além disso, eu vou descrever o significado de ética. Vamos criar comoção na sociedade.”
Em um dos trechos dos áudios, Vargas aponta que só protocolaria o pedido de cassação, o que acabou acontecendo, mediante a garantia de cargos. Ele admite que tinha provas contra a vereadora Márcia Bachixte (MDB), que poderiam levar à sua cassação, mas não moveu ação porque não haveria benefício direto para ele ou seus aliados.
“Eu tinha uma prova contra a Rosa (ex-primeira-dama) que cassaria a Márcia, por abuso de poder político. Uma ação que teria que ser apresentada logo após a diplomação. Mas eu não ganhava nada. Ajudar o Edinho, que é o suplente da Márcia, não ia nos dar a vaga. Nem mesmo para eu assumir ou colocar alguém. O Edinho não ia fazer isso”, admite Ian.
A lógica era clara: a cassação só valeria a pena se houvesse contrapartida política. No caso de Anice, o acordo previa que Paulinho da Saúde nomearia os articuladores do plano para seu gabinete. “A nossa preocupação é essa. Ser uma coisa bem certa, para a gente estar certo, que após a cassação da Anice, ficar até dezembro de 2028, até o final do mandato do Paulinho”, reforça o petista. Marcos Silva, por sua vez, destaca que o acordo já estava selado. “O Paulinho mantém ela até o final?”, pergunta Vargas. “Mantém!”, responde Marcos.
*OUTRO LADO –
* O advogado Ian Vargas falou à reportagem que foi procurado por Marcos como advogado para fazer o pedido de cassação da Anice, com base nas investigações que aconteceram no ano passado. Ele informou que já fez pedido de cassação contra o vereador Cabo Cassol, a pedido de uma ong lgbtqiapn+. “Fiz o pedido de afastamento por quebra de decoro, mas desta vez fui procurado por conta da operação contra a Anice”.
“Falei que não iria fazer a petição e apresentei a advogada para o Marcos. Só que, quando fui apresentar a advogada, ela gravou tudo e jogou para algumas pessoas da mídia. Foi uma gravação ilegal”. Depois disso, Vargas representou Marcos Silva como advogado e o pedido de cassação de Anice foi protocolado.
Os áudios das gravações foram encaminhados ao Gaeco que poderá investigar os envolvidos por crimes como corrupção, tráfico de influência e associação criminosa.