Nota da Petrobras joga gasolina na farsa da CPI
Josias de Souza, UOL
O governo já privatizou a Petrobras sem desestatizá-la e, à medida que a pseudoestatal penetra o caos, vai arrasando outros axiomas administrativos, além do bom senso. Na nota que divulgou para desmentir a notícia segundo a qual as petro-CPIs viraram um jogo de cartas marcadas, a empresa informou que “garante apoio a seus executivos e ex-executivos, preparando-os, quando necessário, com simulações de perguntas e respostas”.
A Petrobras faz isso “para melhor atender aos diferentes públicos, seja em eventos técnicos, audiências públicas entrevistas com a imprensa, e, no caso em questão, a CPI e a CPMI.” Repetindo: para a ex-estatal, uma palestra técnica tem o mesmo status de um depoimento numa comissão parlamentar de inquérito. Insistindo: uma entrevista sobre, digamos, as riquezas do pré-sal é equiparável a uma inquirição sobre o prejuízo bilionário que resultou da compra da refinaria de Pasadena.
Para que as “simulações” resultem numa “melhor compreensão dos fatos e elucidação das dúvidas”, a Petrobras mobiliza “profissionais de várias áreas, inclusive consultorias externas.” No caso das CPIs, ninguém passou previamente, por baixo da mesa, as perguntas que seriam feitas à presidente Graça Foster, ao ex-presidente José Sergio Gabrielli e ao ex-diretor Nestor Cerveró. Não, não. Absolutamante.
A nota informa que a empresa “tomou conhecimento das perguntas centrais que norteiam os trabalhos da CPI e da CPMI da Petrobras, através do site do Senado Federal, […] onde foram publicados os planos de trabalho das referidas comissões.” Neles, “além das perguntas centrais, constam também os nomes de possíveis convocados, e a relação dos documentos que servem de base para as investigações.”
O senador José Pimentel (PT-CE), relator da CPI do Senado, também dvulgou uma nota. No texto, negou ter orientado depoentes. Ecoando a Petrobras, realçou que a relação de perguntas integrava o plano de trabalho da comissão. O ex-diretor Cerveró, também mandou dizer, por meio do advogado, que não recebeu a inquirição com antecedência. Apenas submeteu-se a um “treinamento” provido pela empresa que o demitira.
Confrontado com o vídeo trazido à luz no final de semana pelo repórter Hugo Marques, o encadeamento de versões perde o nexo. Gravadas clandestinamente, as imagens exibem uma trinca de servidores da Petrobras conversando, em timbre de conluio, sobre a melhor forma de fazer chegar as perguntas aos depoentes sem levantar suspeitas.
A alturas tantas, José Eduardo Barrocas, chefe do escritório brasiliense da Petrobras, soa assim na fita: “Eu perguntei da onde, quem é o autor dessas perguntas –80% é do Marcos Rogério [assessor da liderança do governo no Senado]. Ele é o responsável por isso aí. Ele disse hoje que o Carlos Hetzel [assessor da liderança do PT] fez alguma coisa. O Paulo Argenta [assessor da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República] fez outras.”
Bruno Ferreira, advogado da Petrobras em Brasília, indaga: “Qual a estratégia em termos de orientação ao Cerveró?” Leonan Caderaro Filho, outro advogado da suposta estatal, emenda: assim como o Dutra [José Eduardo Dutra, ex-senador petista, hoje diretor da Petrobras] trouxe para a BR, talvez o Delcídio [Amaral, senador do PT de Matro Grosso do Sul] esteja levando para o Cerveró… Será que o Delcídio já levou as perguntas para ele?” Uma alma incauta perguntaria: ora, mas as perguntas não estavam dispníveis no site do Senado?
Na nota que divulgou, a ex-estatal absteve-se de esclarecer os termos da inusitada conversa dos seus três graduados servidores. Embora as palavras, por inqualificáveis, sejam de fácil qualificação, a empresa preferiu concentrar-se na “simulação” que promoveu para treinar seu pessoal. Referiu-se aos ensaios como algo trivial no mercado. “Assim como toda grande corporação, a Petrobras garante apoio a seus executivos e ex-executivos…”
De novo, o enredo peca pela falta de nexo. Vale a pena recordar: ao ser confrontada com a revelação de que avalizara a compra de Pasadena, Dilma Rousseff, que na época presidia o Conselho de Administração da Petrobras, levou a faca ao pescoço de Nestor Cerveró. Disse que, não fosse um parecer “técnica e juridicamente falho” de Cerveró, jamais teria aprovado a compra da refinaria.
Por mal dos pecados, Cerveró continuava empregado na Petrobras seis anos depois de ter redigido o documento que induzira a supergerente a erro. Só foi mandato ao olho da rua depois que Dilma, premida pelo noticiário, torceu-lhe o nariz em público. Em privado, Cerveró mandou recados ao Planalto. Insinuou que não iria à fogueira sozinho.
Em entrevista, o ex-presidente Gabrielli deu a entender que também não admitiria a hipótese de arder sozinho: “Não posso fugir da minha responsabilidade, do mesmo jeito que a presidente Dilma não pode fugir da responsabilidade dela, que era presidente do conselho. Nós somos responsáveis pelas nossas decisões”, disse.
Por um instante, a plateia teve a impressão de que o teatro da Petrobras estava prestes a ir pelos ares. Descobre-se agora que não havia propriamente uma divergência. O problema era a falta de ensaio. Bastaram algumas boas “simulações de perguntas e respostas”, conduzidas por “profissionais de várias áreas, inclusive consultorias externas”, para que se chegasse à “melhor compreensão dos fatos e elucidação das dúvidas.”
Assim como nem Ingrid Bergman nem Humphrey Bogart jamais disseram “toque outra vez, Sam”, o que não impediu que a frase se transformasse na mais famosa do filme Casablanca, é provável que as ameaças de Cerveró e Gabrielli jamais tenham existido. Como também não existiu o conluio dos servidores do escritório da Petrobras em Brasília.
Responsável pela obra da refinaria pernambucana Abreu e Lima, outro negócio esquisito da ex-Petrobras, o ex-diretor Paulo Roberto Costa disse ao repórter Mario Cesar Carvalho que não houve superfaturamento no canteiro. Segundo ele, o preço do empreendimento saltou de US$ 2,5 bilhões para US$ 18,5 bilhões porque o primeiro orçamento fora feito em cima da perna, como uma “conta de padeiro”. Bobagem.
Recolhido a uma cadeia do Paraná, o ex-diretor ainda não passou por uma boa “simulação”, dessas que a Petrobras, “assim como toda grande corporação”, provê a ex-diretores. Logo, logo alguém sussurará nos seus ouvidos: “Toque outra vez, Paulo Roberto, só que noutro tom.”